quinta-feira, 16 de abril de 2009

Até quando o mundo vai sustentar a farra dos donos do petróleo?

Entre julho e dezembro de 2008 – num intervalo de apenas 5 meses - o preço de referência do barril de petróleo em Nova York passou de US$ 147 a US$ 38 – uma queda de cerca de 75%. Evidentemente, mesmo vendendo com uma redução desta magnitude no preço, os produtores permaneceram tendo lucro, o que implica deduzir que os mecanismos de mercado não têm tido qualquer influência sobre o prosaico “equilíbrio” entre a oferta e a demanda.

    Não custa relembrar que o custo de produção do petróleo, incluindo os custos de descoberta e taxas, não passa de US$ 6 por barril na maioria dos países da OPEP. Portanto, mesmo após a acentuada queda dos preços, o lucro dos produtores ultrapassa os 500%. Quando preço estava a US$ 147, este lucro era de 2300%! Nada mais imoral!

    Não é possível nem justo que o mundo todo se torne refém de uma dúzia de mega-corporações privadas que se utilizam da fachada da OPEP para se apossarem de uma parcela tão significativa da renda mundial, concentrando riqueza e poder de forma tão desmesurada. Não se trata de isentar os governos dos países da OPEP de culpa, evidentemente. Os países da OPEP formam um iníquo cartel isento de qualquer controle que ainda se dá ao luxo de acobertar a ganância de empresas privadas com sede no chamado “primeiro mundo”, a saber: Shell, Exxon Mobil, Total, Chevron, British Petroleum, Elf Aquitaine e outras menos cotadas.

    O curioso é que esta situação já perdura quase quatro décadas. Teve início em 1973, durante a guerra do Yom Kippur – entre Israel, de um lado e Síria e Egito de outro. Naquela ocasião, o preço do barril quadruplicou num intervalo de apenas três meses (de US$ 3 para US$ 12), ao passo que o custo de produção manteve-se estável. Esta foi uma forma de os países árabes chantagearem o ocidente que apoiou Israel no conflito. Esqueceram-se os árabes que as grandes companhias ocidentais detinham concessões para exploração e produção no Oriente Médio e, portanto, se beneficiaram por tabela com a elevação do preço do óleo.

    Um novo choque nos preços do petróleo ocorreu em 1979, com a eclosão da revolução dos aiatolás, no Irã, que resultou da deposição do Xá Reza Pahlevi e na paralisação da produção do país. Vale lembrar que o Irã é o segundo produtor mundial de petróleo, atrás apenas da Arábia Saudita. Naquela oportunidade, o preço do petróleo saiu de US$ 12 o barril para mais de US$ 35 (em valores da época).

    De lá para cá, o preço do petróleo tem flutuado livremente ao sabor dos ventos, porém sempre preservando as enormes margens de lucro dos produtores, sejam eles empresas estatais dos países da OPEP ou as mega-corporações privadas com sede nos países do ocidente.

    É estranho que nada demonstre com mais clareza a ineficácia do mercado para regular preços do que o caso do petróleo. Não se pode negar o peso do cartel da OPEP – os países-membros da OPEP produzem cerca de 40% da demanda mundial – nos negócios petrolíferos. Há, entretanto, outros atores de peso no cenário que poderiam muito bem intervir para reduzir a dependência do cartel. Do lado da oferta há a Rússia, Canadá, Noruega e outros produtores de peso. Do lado da demanda soa estranho como os EUA, os países da Europa Ocidental e o Japão, todos grandes importadores de petróleo, se quedem passivos ante o cartel sem buscar alternativas para sua dependência. A única explicação que me parece plausível é que esses países buscam, com sua passividade, favorecer suas empresas transnacionais nos negócios com óleo é gás natural, assim 
como os países ricos buscam favorecer seus bancos no mercado financeiro global.

    A conclusão a que se chega é que o sistema capitalista é inerentemente produtor de injustiça. Ele estabeleceu uma civilização baseada no consumo maciço de energia e tornou a principal fonte de energia que aciona o sistema um obstáculo ao seu uso, através de seu preço manipulado por um cartel. Um sistema justo e socialmente sustentável já teria partido para outro modelo de desenvolvimento, livrando toda a humanidade do ônus de assegurar o enriquecimento dos acionistas de quinze ou vinte empresas.

Panorama petrolífero recente

Foi divulgado há pouco o ranking da revista Petroleum Intelligence Weekly para 2007, respeitada publicação setorial, das 50 maiores empresas de petróleo, baseado em algumas características operacionais, dentre as quais a produção de óleo e gás, a capacidade de refino e o desempenho financeiro. O ranking contém alguns dados surpreendentes:


• A estatal Saudi Aramco permanece como a primeira empresa de petróleo do mundo;
• As empresas sob controle estatal são agora majoritárias no grupo (27 dentre 50);

• Três novas empresas fazem agora parte do grupo: Uzbekneftegas, do Uzbequistão, a CNOOC, da China e a Kazmunaigas, do Casaquistão – todas sob controle estatal;

• Todas as três maiores empresas chinesas de energia passam a fazer parte das “maiores 50”, ressaltando seus esforços para assegurar o controle de fontes de petróleo e gás, tanto no território chinês quanto no exterior;

• A CNPC (estatal chinesa) saltou da sétima posição para a quinta, superando a British Petroleum, a Shell e a ConocoPhilips, todas privadas;
• A estatal russa Rosneft teve o maior salto: passou da 24ª para a 16ª posição no ranking;
• A produção total de gás natural do grupo cresceu cerca de 6% ao passo que a produção de petróleo permaneceu estável.

No conjunto das 50 maiores empresas, 18 são inteiramente de propriedade estatal, 8 têm seu capital total majoritariamente sob propriedade do estado.

Situação sui generis é a da Petrobrás. Situada na 15ª posição do ranking, de seu capital total, apenas 32,2% são de propriedade estatal. Embora seu capital votante – as ações preferenciais – esteja, por escassa maioria, sob controle do estado, a maior parte de seu crescente lucro no período envolvido foi parar em mãos privadas, fazendo dela mais um instrumento de concentração e de riqueza num país já tão marcado pela injustiça social.

Outro fator agravante no caso da Petrobrás é o crescimento das reservas brasileiras - especialmente na chamada camada pré-sal - que é expressivo, tornando o setor privado sócio majoritário deste patrimônio.

Num momento em que se percebe claramente o avanço do estado no setor em âmbito mundial, a situação brasileira é francamente diversa da tendência mundial e isto acontece, justamente, durante um governo tido como de tendência popular.


Outra questão preocupante no caso brasileiro, são as concessões para exploração de petróleo e gás nas bacias sedimentares submarinas no mar territorial. Embora a Petrobrás tenha sido a vencedora de boa parte das licitações neste caso, na maioria das vezes ela obteve a concessão em parceria ou consórcio com empresas privadas, em geral estrangeiras. Isto implica em que, pela legislação atual, empresas privadas estrangeiras serão proporcionalmente proprietárias do petróleo e do gás eventualmente extraídos, podendo fazer deles o que mais lhes aprouver, inclusive exportá-los.


Portanto, em que pesem as dúvidas quanto à viabilidade da produção na cama pré-sal, dado seu custo real ainda desconhecido, em caso afirmativo há grandes chances de esta riqueza não trazer benefício real ao povo brasileiro. Como se pode ver, há muito marketing e pouca realidade nesta questão.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

A Petrobrás já foi melhor em planejamento

A Petrobrás acaba de divulgar seu Plano de Negócios para o período 2009-2013 e suas metas para 2020. Sobressaem neste plano alguns números interessantes e outros preocupantes. Por exemplo, a produção de óleo e gás deve crescer cerca de 90% até 2013 e 150% até 2020 (ver quadro abaixo). Evidentemente, este acréscimo significativo estará baseado em maciços investimentos a serem feitos na camada pré-sal, cujos contornos estão cada vez mais definidos a partir da crescente atividade exploratória. O que a Petrobrás não divulga com esta clareza são os custos de produção nestas novas bacias frente às oscilações dos preços de mercado do petróleo, já que sabidamente não é ela que define estes preços.

Por outro lado, o crescimento do refino de petróleo em suas refinarias no Brasil – as existentes e as que serão construídas no período – ficará bem aquém do volume a ser produzido (ver quadro abaixo). Esta observação permite concluir que a empresa pensa em exportar mais de 2 milhões de barris de petróleo por dia em 2020, algo como o volume exportado pela Venezuela ou os Emirados Árabes Unidos atualmente.

Petrobrás - Metas Corporativas
Indicadores Realizado 2008 Metas 2013 Previsão 2015 Previsão 2020
Produção de Óleo e Gás Natural - Brasil (boed)(*) 2.176.000 3.310.000 4.140.000 5.100.000
Produção de Óleo e Gás Natural - Total (boed)(*) 2.400.000 3.651.000 4.626.000 5.732.000
Carga Fresca Processada - Brasil (bpd)(**) 1.859.000 2.270.000 - 3.012.000

Fonte: Petrobrás – Plano de Negócios 2009-2013
(*) barris de óleo equivalente por dia;
(**) barris de óleo por dia


O que preocupa é ausência de menção à agressão que o petróleo tem causado ao meio ambiente ou a timidez com que este tema é abordado num plano de tão largo alcance no tempo. Naturalmente, ninguém advoga uma radical e imediata eliminação do petróleo como fonte de energia primária, especialmente na matriz de transportes. Todavia, um processo responsável visando sua substituição gradual já deveria estar em andamento, já que os prejuízos causados ao planeta e a seus habitantes são hoje consensualmente reconhecidos. Um simples análise do uso que se faz no Brasil (e no mundo não é muito diferente) permite perceber, com um pouco de raciocínio lógico, a extensão dos males causados pelo petróleo e seus derivados. No Brasil, conforme quadro abaixo, 56% do petróleo consumido é queimado em motores de veículos automotores (sob a forma de óleo diesel e gasolina). É fato reconhecido, mas pouco divulgado, que esses motores apresentam indicadores de eficiência ridículos ou mesmo inaceitáveis no momento tecnológico que a humanidade vive hoje – da ordem de 25 a 27%. Ou seja: cerca de 75% da energia térmica gerada pela combustão são desperdiçados. No caso dos motores a diesel esta eficiência é levemente maior – na faixa de 33 a 35% - em função da maior temperatura em que se dá a combustão. Mesmo assim, o desperdício alcança alarmantes 65% da energia fornecida ao motor.

Petrobrás - Perfil de Refino
Óleo Diesel 37%
Gasolina 19%
Óleos Combustíveis 15%
Nafta e Querosene de Aviação 12%
Outros 16%

Fonte: www.petrobras2.com.br

Agregue-se a isto que há no país atualmente cerca de 50 milhões de veículos automotores, sendo que mais da metade deles trafegam nas capitais, em meio a um trânsito caótico e também sem planejamento, fato que contribui para ampliar a ineficiência dos veículos e do sistema. Porém não basta. A mera observação dos milhares de veículos enredados nas malhas do trânsito urbano revela outro problema tão grave como os demais. Trata-se um problema de educação e cidadania: Quase 80% dos veículos congestionados e que se arrastam nesse emaranhado inútil transporta apenas o motorista, embora sejam projetados para transportar, em alguns casos, até cinco pessoas. O preocupante é que a Petrobrás se prepara para ampliar sua oferta de produtos para esse mercado caótico, o que irá incentivá-lo a crescer em meio à desordem, já que as campanhas publicitárias incentivando o uso do transporte individual são cada vez mais sofisticadas e constantes.


Há ainda, a oferta de querosene de aviação destinado a acionar os motores dos jatos da aviação comercial tão ou mais ineficientes que os motores a explosão dos veículos rodoviários. Por fim, mas não menos pernicioso do ponto de vista da sustentabilidade da vida, há a produção de nafta (um derivado com algumas características semelhantes às da gasolina) destinada, em boa parte, a suprir as centrais de matérias-primas da indústria petroquímica.


É das indústrias de segunda e terceira gerações da cadeia petroquímica que provêm os plásticos, as fibras e outros materiais sintéticos cuja absorção na natureza é extremamente difícil tal a estabilidade química destes compostos. Como resultado, temos hoje, não apenas nos lixões do mundo inteiro, mas também nos mares, florestas e lagos, volumes crescentes de restos de material plástico produzidos pela indústria petroquímica e para os quais não se tem solução ou destino, já que reciclá-los custa mais caro que fabricar novos, visto que a lógica dominante é a de que o principal valor deste sistema é o dinheiro.


Assim, caminha-se não apenas para um mundo em que a vida estará ameaçada pela agressão que os ainda imensos estoques de petróleo nos reservatórios representam para a humanidade e outras espécies, mas também pela sujeira propiciada pela descontrolada oferta de plásticos e fibras não-degradáveis que ameaçam cobrir a superfície do planeta.


É triste ver gente séria se posicionar a favor da Petrobrás nestes termos, sem qualquer preocupação com as questões aqui mencionadas. Aparentemente, o desejo destes auto-intitulados "patriotas" é que a Petrobrás continue a cometer todos esses crimes, com uma única diferença: que o faça sob controle do Estado. Boa parte do percurso já foi superada: a Petrobrás já está entre as 15 maiores empresas petrolíferas e agressoras do planeta.


Diversamente do sonho desses nacionalistas e no frigir dos ovos, qualquer cidadão minimamente pensante está apto a diagnosticar os problemas que envolvem a atuação da Petrobrás dos dias de hoje. Outrora uma empresa lúcida, competente e com visão social, hoje não passa de uma simples ferramenta de mercado, ocupada, de maneira até mesmo irresponsável, em faturar para seus acionistas – na maioria privados e em boa parte estrangeiros – à custa do país, da sociedade e do meio ambiente.