sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Assistimos o velório da social-democracia brasileira?

A social-democracia é um conjunto de ideias políticas, centradas na prevalência do estado de bem estar social, surgido no fim do século XIX em alas do marxismo que acreditavam que a transição para o socialismo poderia se dar sem uma revolução e sim por meio da natural evolução democrática num ambiente capitalista. Evidentemente, essas ideias tiveram severa oposição de Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburg e outros.

De fato, em meados do século XX, ocorreu algum avanço social em países europeus que aplicaram a social-democracia. Dentre estes pode-se citar a França, a Alemanha, a Holanda e, nomeadamente, os países escandinavos.

Ao final do século XX, entretanto, a prolongada  convivência com o capitalismo, em vez de domá-lo, terminou por contaminá-la e hoje já se vê claros sinais de doença e ruptura na social-democracia em boa parte dos países do ocidente europeu.

A rigor, pode-se afirmar que a social-democracia europeia perdeu-se asfixiada pelo neoliberalismo, um conjunto de doutrinas capitalistas oposto ao estado de bem estar social. A financeirização da economia, o excesso de liberdade para o capital e a pura e simples especulação ensejaram a atual crise global do capitalismo e, com ela, a austeridade em oposição à prosperidade
produzida pela intervenção sadia do estado que tinha como resultantes a educação, a saúde, a moradia, a segurança, o trabalho e a renda.

O neoliberalismo é a doutrina baseada na lei do mais forte, na hegemonia dos mercados e no capitalismo selvagem.

No Brasil, a social-democracia surgiu tarde e pode ter vida curta. O Partido da Social Democracia Brasileira – o PSDB – nasceu de uma cisão do velho MDB (que foi tolerado pela ditadura) no final da década de 80 do século passado. Apesar de contar com figuras dignas em seu quadro inicial, logo associou-se ao que havia de pior no país falando-se politicamente: associou-se a resíduos da ditadura (ARENA e mais tarde PFL) para obter votos nos rincões. Conseguiu eleger e reeleger o presidente da República nos anos 90. Elegeu ainda governadores, expressivas bancadas parlamentares e prefeitos naquela fase de euforia.

Hoje, no entanto, o quadro é outro. Segundo as pesquisas mais recentes, o PSDB tem pouca ou nenhuma chance de eleger o prefeito em 8 das maiores capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba e Recife. Em Salvador, importante capital do nordeste, o PSDB não apresentou candidato. Em Fortaleza, o candidato tucano traz no nome a marca da ditadura - Marcos Cals – e tem muito poucas chances.

Assim, os principais sinais vitais da social-democracia brasileira apresentam um quadro de colapso. Sua vida provavelmente será curta. Sem ter seus quadros eleitos, morrerá a social-democracia brasileira em plena adolescência?

terça-feira, 14 de agosto de 2012

O capitalismo – um sistema cada vez mais doente

O capitalismo é um sistema cheio de contradições. Mas o que é, na verdade, o capitalismo? O capitalismo é o sistema econômico que busca o lucro incessantemente para uma minoria da humanidade – os capitalistas. Para tanto, ele requer matérias-primas, instalações, energia, equipamentos e trabalho. Cada um desses insumos deve ter seu custo minimizado para que se maximize o lucro do dono do capital ou capitalista.

A produção de bens e serviços gerada pela atividade capitalista visa o consumo desses itens pela sociedade. As sociedades capitalistas são majoritariamente formadas por trabalhadores das mais diversas faixas de renda e suas famílias. Trata-se, todavia, o capitalismo de um sistema repleto de contradições, sendo a primeira e mais visível delas a permanente luta de classes entre capital e trabalho. Visto que a doutrina capitalista tem como um de seus axiomas a redução do custo dos insumos que entram na produção de bens e serviços, a redução do custo do trabalho é apenas natural.

Ocorre que a redução do custo do trabalho implica em menores salários e benefícios para toda uma massa de cidadãos que são, afinal, os consumidores dos bens e serviços que o capitalismo produz. Assim, quanto menor a renda do trabalho, menor será a demanda pela produção capitalista e menor seu lucro. O mesmo ocorre atualmente com a robotização da produção nas fábricas. Cada robô introduzido no processo produtivo vai, por certo, reduzir o custo do trabalho, mas vai também desempregar dezenas de trabalhadores que deixarão de ter renda para consumir, reduzindo, também, desta forma o lucro do capitalista.

A industrialização em larga escala que permeia parcela importante do mundo de hoje tem enfrentado sérios problemas para promover o decrescente consumo de sua produção. Os níveis cada vez mais baixos de renda do trabalho tornam cada vez mais difícil manter a demanda por bens e serviços oriundos da produção capitalista.

É nesta altura do processo que entram em cena dois novos elementos de incentivo ao consumo: a propaganda e o sistema de crédito. A propaganda, considerada hoje quase como uma ciência, tem o papel de induzir o cidadão a consumir aquilo de que ele não precisa, o supérfluo, ao passo que o sistema de crédito – os bancos - oferece recursos – dinheiro - para tanto.

A propaganda com frequência decepciona o consumidor ao alardear de modo sutil qualidades e benefícios não existentes no produto consumido. Este descompasso entre o anunciado e a realidade torna obrigatório que a propaganda se aprimore ainda mais em seu processo indutor de consumo ou, como é mais comum e mais barato, que ela se torne cada vez mais repetitiva, passando a ser uma espécie de lavagem cerebral.

O sistema de crédito, por seu turno, utiliza o dinheiro de seus clientes para financiar o consumo de outros. Neste processo, os estabelecimentos de crédito cobram dos financiados uma taxa de juros para remunerar seu trabalho e assegurar seu lucro nesta intermediação. Os contratos de financiamento, por seu lado, geram títulos que podem ser negociados com outras instituições de crédito no chamado mercado secundário com algum deságio. Estes, por sua vez podem ser negociados num mercado terciário e assim por diante.

Se, por acaso, o financiado não honrar sua dívida por qualquer razão, teremos uma reação em cadeia. Quando, numa crise de desemprego, muitos financiados deixam de honrar suas dívidas, o detentor dos títulos de seu financiamento vai se ver em maus lençóis por não poder também honrar seus compromissos dentro do sistema. Isto gera um rombo e falta de credibilidade no sistema financeiro, fazendo com que seus depositantes busquem alternativas mais seguras para seus ativos. Daí vem a quebradeira do sistema.

Este é o capitalismo que tantos defendem e que passa hoje por uma crise profunda. Mesmo fora de suas crises constantes, o capitalismo é injusto por beneficiar uma minoria em detrimento da maioria. Não se trata de uma questão ideológica, mas de inteligência: o capitalismo já provou sua incapacidade para fazer deste mundo um lugar de gente mais feliz.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O que foi feito do “Mensalão do PSDB”?

Não se trata de querer livrar membros importantes do então governo Lula do ônus pela acusação, apuração e julgamento da existência do chamado “Mensalão”. Há sérios indícios de que o citado esquema existiu de fato e todos os cidadãos de bem deste país aguardam a ação da Justiça e a consequente punição dos responsáveis.

A antológica lentidão do Poder Judiciário não combina com o fato de que este processo tenha chegado à atual etapa, a do julgamento, antes da prescrição. É louvável que num país onde a velocidade de ação do Poder Judiciário é inversamente proporcional ao poder e à fortuna dos acusados estejamos assitindo ao que está se passando perante nossos olhos.

Coube ao Procurador-Geral da República a acusação dos réus, conforme determinam as regras. Dezenas de advogados bem pagos ocupam-se em defender seus clientes acusados. Este é um outro dado a ser averiguado: quanto cada advogado de defesa está cobrando e quem está pagando os advogados de cada um dos réus.

Neste ponto, vem-me à memória um outro tema similar a este e que foi devidamente engavetado. Trata-se do escândalo da compra de votos para a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1997, apenas um ano antes da eleição de seu substituto. Curiosamente, apesar de público, este escândalo não foi investigado nem houve qualquer ação da Procudoria-Geral da República a seu respeito, o que levou à sua prescrição.

O escândalo da compra de votos para a emenda da reeleição de Fernando Henrique Cardoso – o chamado “Mensalão do PSDB” -  foi deflagrado por denúncia do jornal Folha de São Paulo que publicou, em sua edição de 14 de abril de 1997, uma denúncia da CNBB que acusava o governo de FHC de corrupção, quatro meses após a aprovação da reeleição. A emenda foi aprovada na Câmara dos Deputados, em primeiro turno, com 336 votos favoráveis e seis votos contra.

Em 13 de maio de 1997, em outra matéria, o mesmo jornal, relatou uma conversa sobre a compra desses votos. O personagem central, o então deputado Ronivon Santiago (do então PFL do Acre) informava ter vendido seu voto por R$ 200 mil, a favor da emenda da reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Nesta reportagem, Ronivon afirmou que recebeu R$ 100 mil em dinheiro e que os outros R$ 100 mil seriam pagos por uma empreiteira que tinha dinheiro a receber do governo de seu estado, o Acre.

Os compradores do voto do deputado do Acre, segundo ele, foram dois governadores: Orleir Cameli (sem partido), do Acre, e Amazonino Mendes (também do então PFL), do Amazonas. O esquema de compra de votos para a reeleição envolveu outros deputados, além de Ronivon.

Além dos governadores já citados, também foram acusados de participação na compra de votos deputados influentes do Congresso como o então presidente da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães (já falecido, filho do senador Antônio Carlos Magalhães, também falecido, presidente do Senado à época), e de ministros do governo Fernando Henrique. Pelas conversas gravadas, o esquema teria sido comandado pelo então ministro das Comunicações, Sérgio Motta (já falecido), o popular “Serjão”, que era considerado o homem forte do governo FHC.

A diferença de tratamento de dois escândalos do mesmo calibre não se justifica em sociedades realmente avançadas. Nossas instituições estão nos devendo por sua omissão neste caso.

O principal beneficiário da emenda da reeleição fez, em seu segundo mandato, nada mais do que continuar a aplicar ao Brasil o modelo político-econômico viciado engendrado por Thatcher e Reagan que, em seu limite, levou à atual crise do capitalismo.  O ex-presidente tucano prossegue em desfile vaidoso mundo afora a fazer palestras e a ensinar sobre o Brasil. Sua alcunha de “príncipe dos sociólogos” só faz aviltar a Sociologia.

São esses e outros fatos que ainda fazem do nosso país algo periférico. São esses e outros fatos que fazem de nossa terra algo submisso a pequenos interesses. São esses e outros fatos que me proíbem de cantar o Hino Nacional, tal o descompasso entre seus versos e a nossa realidade.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Patriotismo desafinado e inútil

A presença em nossa Amazônia de alguns minerais raros e de importante demanda despertou alguns dos chamados patriotas de sua prosaica letargia.

Poucas linhas de nosso exaltado e romântico hino nacional se aplicam ao nosso país. Entretanto, uma delas cai como uma luva sobre os brasileiros e sua terra. É clara a semelhança entre o “deitado eternamente em berço esplêndido” e a realidade vivida por brasileiros e brasileiras.

Atualmente, grupos de patriotas têm usado a Internet para questionar a existência de reservas indígenas em áreas ricas em recursos minerais. Levantam esses patriotas até mesmo a possibilidade de esses grupos indígenas se tornarem nações autônomas e independentes do poder centralizado em Brasília, de acordo com os princípios da Declaração Universal sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em 2007 pela ONU.
Esses patriotas fingem desconhecer que a Declaração é, em primeiro lugar, um instrumento não vinculante para os países, ou seja, ela é uma declaração de princípios, aspirações e não de compromissos políticos que os países signatários devem buscar implantar.

A obrigatoriedade é muito relativa quando se trata de instrumento aceito de forma voluntária. Nenhum país é obrigado a aceitá-la. Portanto, conclui-se que pode haver a vontade e a disposição de determinado país no sentido de implantar a Declaração ainda que não exista obrigatoriedade legal de sua aplicação.

Além disso, os representantes indígenas declararam sempre de forma transparente que os povos indígenas não pretendem constituir estados independentes, o que é o grande temor dos estados nacionais.

Não se trata, portanto, de defender a tese da autonomia de grupos indígenas, mas o que faria o Brasil com, por exemplo, uma reserva de nióbio sob seu controle? Que tipo de pesquisa e que tecnologia foram desenvolvidos para a utilização desse metal raro? A resposta é: o Brasil nada fez até hoje.

Dispor de reservas de nióbio e outros metais estratégicos no subsolo não tem qualquer valor, a menos que se tenha meios para utilizá-los. Em países mais sérios que o nosso, esses metais já estão em uso há anos e pesquisas estão permanentemente sendo feitas em universidades, centros de pesquisa e empresas para descobrir, desenvolver e aperfeiçoar aplicações para esses metais. O mercado brasileiro é, inclusive, cliente de empresas que fabricam e exportam produtos de alto valor agregado que utilizam esses metais.

Uma das grandes empresas brasileiras em uso de tecnologia – a Embraer – importa os propulsores e toda a eletrônica de controle dos aviões que produz, ficando sob sua responsabilidade apenas a montagem da “casca” das aeronaves.

Para encerrar, é preciso que fique bem claro: o Brasil, seus governos e sua sociedade têm sido inteiramente omissos em cuidar de seus recursos minerais, suas fronteiras, seus rios e mares. Além disso, nosso país jamais teve um programa sério para desenvolvimento de pesquisa e tecnologia (exceto o da Petrobras). O Brasil, em pleno século 21, não passa de um exportador de commodities e um importador de produtos industrializados com alto valor agregado e de tecnologia.

Portanto, soa completamente desafinada a gritaria de grupos de patriotas contra pequenos grupos de indígenas sobreviventes do genocídio de que foram vítimas seus antepassados. Seu patriotismo deveria ser reavaliado e redirecionado para os verdadeiros culpados pelo quadro atual.