domingo, 19 de outubro de 2008

Algumas distorções da matriz energética mundial

Argemiro Pertence
15-Out-2008
Neste momento de crise, em que ninguém ainda tem uma noção exata de para onde ela nos vai conduzir, cabe mais um pouco de reflexão acerca da produção, uso e custos da energia.


A matriz energética global está baseada, desde a Revolução Industrial do século XVIII, em fontes de energia de origem fóssil (petróleo, carvão mineral e gás natural). Nestes mais de dois séculos, muito pouca coisa mudou em termos qualitativos, ao passo que em termos quantitativos, os volumes demandados sofreram estrondoso crescimento. Com efeito, mais de 80% da energia que o mundo consome atualmente é de origem fóssil (ver tabela a seguir).
Fonte
Participação (%)
Petróleo
34,3
Carvão mineral 25,1
Gás natural 20,9
Energias renováveis 10,6
Nuclear 6,5
Hidráulica
2,2
Outras
0,4
De fato, a sociedade atual, em especial a do chamado Primeiro Mundo – EUA, Europa Ocidental e Japão – habituaram-se a um nível de consumo energético incompatível com o espaço em que vivem. Assim é que, de uns tempos para cá, tornou-se rotina que indústrias dos países centrais, intensivamente consumidoras de energia, transferissem suas unidades mais poluidoras – siderúrgicas, químicas e petroquímicas - para países periféricos, onde as restrições ambientais são ainda bastante frouxas. Curiosamente, os países que recebem esse tipo de investimento ficam felizes da vida com o que acreditam ser um gesto de boa-vontade dos investidores ricos do norte desenvolvido. Aproveitando-se do clima de festa que a inauguração de uma dessas plantas traz, os políticos populistas das sociedades mais atrasadas declaram-se responsáveis pelo progresso que este fato trará à região.


A conseqüência desta migração é que, em breve, grandes áreas dos países mais pobres vão usufruir de um modelo híbrido e perverso: degradação ambiental e empobrecimento. A pobreza será decorrente da lógica do modelo econômico que rege este fenômeno, a saber:


1. Os lucros do negócio são remetidos para os países de origem das empresas;
2. Os países-anfitriões concedem generosos benefícios tributários para a atração dessas empresas e;
3. A geração de empregos, embora real, limita-se à mão-de-obra de baixa qualificação e remuneração, a fim de viabilizar a rentabilidade do negócio.


Em resumo, as três vias que poderiam gerar algum benefício para os países mais pobres neste processo simplesmente não existem ou são bastante minimizadas – reinvestimento de lucros, pagamento de tributos e salários.


Enquanto viver o capitalismo, dificilmente esta lógica vai ser alterada. A questão posta é que, nos países periféricos, políticos de pouca envergadura usam um discurso sem nexo e sem sustentação na realidade. É comum ouvi-los pregando aos quatro ventos que nossos países vão alcançar um padrão de consumo de energia similar ao dos EUA, Europa e Japão. Isto é inviável nos moldes vigentes. Nosso planeta é finito e não suportaria tamanha agressão. Cabe propor alternativas e onde ainda existe espaço de manobra para as sociedades mais desfavorecidas é a sua matriz energética. Países como a China, a Índia, Brasil, Egito, México e outros devem usar sua criatividade para conter a crescente agressão ao meio-ambiente.


O desenvolvimento de outras fontes de energia e o aumento da eficiência energética das máquinas e equipamentos precisam ser enfrentados com vontade e seriedade. Já chegou até mesmo a hora de começarmos a planejar uma sociedade menos consumidora de energia, menos comodista e, portanto, e mais saudável.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Petróleo – a busca do equilíbrio


 

Argemiro Pertence                                             02/10/2008

 

Recentemente, fomos informados pela mesma mídia de sempre que as reservas de petróleo no mundo tinham os dias contados. Repetia ela à exaustão que a época das grandes descobertas de óleo e gás tinha se encerrado. Doravante, o ritmo das descobertas ficaria aquém do ritmo do consumo e já havia até data marcada para o fim da era do petróleo. 
  
Em época de crise causada pelo excesso de especulação financeira, não custa nada fazer um exercício mental e verificar que no mundo do petróleo há também bastante espaço para a especulação. Toda pessoa medianamente informada sabe que o custo de produção de um barril de petróleo varia de cerca de 3 a 4 dólares nas bacias terrestres de intensa produção, como as margens do Golfo Pérsico, até cerca de 15 a 18 dólares nas bacias marítimas de produção em menor escala e grandes profundidades, como é o caso da nossa Bacia de Campos. 

Há pouco tempo, o barril de petróleo produzido a esses custos chegou a ser negociado a 150 dólares, ou seja, com margens variando entre 1000 e 5000%. Em sã consciência, ninguém é capaz de admitir tamanho descolamento entre preço e custo, exceto em função de deslavada especulação por parte das grandes corporações, disfarçada ou justificada pela ação da já desmoralizada “mão invisível do mercado”. 

Hoje, no entanto, é fato que grandes volumes de óleo e gás estão sendo descobertos abaixo da camada pré-sal no litoral brasileiro, sob as águas do Mar Cáspio, na costa de Angola e, possivelmente, também no Golfo do México.

Estes achados são saudados com euforia pelas sociedades. De modo especial, os brasileiros e as populações que vivem nos países ao sul da Rússia, em torno do Cáspio, vêm nestes fatos uma espécie de passaporte para sua redenção econômica. O início da produção destas áreas vai permitir a esses países não apenas completar a demanda interna, necessária ao seu desenvolvimento, mas também fazê-los integrar o reduzido clube de países exportadores de petróleo. 

São dados auspiciosos, sem dúvida, à primeira vista. Entretanto, há alguns fatos a considerar: em que países exportadores de petróleo pode-se afirmar categoricamente que seus povos usufruem os benefícios desta riqueza? Com o agravamento das condições ambientais do planeta em que vivemos, quanto petróleo mais nos será permitido queimar?

É neste ponto que duas questões se entrelaçam: a questão social e a questão ambiental. A produção de petróleo por países periféricos é tida como a maneira de fazê-los alcançar o nível de consumo dos países do norte desenvolvido. Por outro lado, a questão ambiental nos alerta para o fato de que dificilmente será possível viver num mundo em que países populosos em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia e outros possam consumir tanto petróleo como o fazem os países ricos atualmente.


É do equilíbrio entre essas duas questões que resultará uma solução para este impasse. É difícil crer, mas para que se alcance este equilíbrio, uns terão que ceder para que outros avancem. Como não há na História fato semelhante, não há razão para otimismo neste mundo viciado pelo egoísmo e avesso à cooperação.