segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

“Occupy Wall Street”- uma luz no fim do túnel?

Argemiro Pertence

O “Occupy Wall Street”, numa alusão à localização da Bolsa de Valores e das grandes instituições financeiras em Nova York, é um movimento de resistência sem lideranças que reúne pessoas de todas as raças, gêneros e convicções políticas. O único aspecto que há em comum entre as pessoas que dele participam é que elas se consideram “os 99%” que não vão mais tolerar os abusos e a corrupção dos que se enquadram no 1% restante. O movimento está usando as táticas revolucionárias da vitoriosa Primavera Árabe, no Egito e na Tunísia, para alcançar seus objetivos e para encorajar o uso de práticas de não-violência para aumentar a segurança de todos os participantes.

O movimento visa transferir o poder ao povo para possibilitar uma verdadeira mudança de baixo para cima. O movimento quer que haja assembleias em cada espaço e em cada esquina e deixa claro que não precisa mais de Wall Street nem dos políticos para construir uma sociedade melhor.

Este movimento surgiu em Nova York no dia 17 de setembro deste ano. A partir de então, em dezenas outras cidades dos EUA formaram-se movimentos similares. É notável saber que as informações divulgadas pela Internet – especialmente pelo Twitter e Facebook – foram utilizadas para convocar e motivar as pessoas para a ação e conservá-las informadas sobre os acontecimentos. Na página do movimento (occupywallst.org/) há sempre informações atualizadas sobre as mobilizações e um “chat” onde se percebe o entusiasmo dos participantes.

Com base nas teses do movimento, é possível perceber que seu ponto central tem foco na relação promíscua entre o capitalismo financeiro e o poder político. O capitalismo financeiro depende da política para que quadros de confiança do sistema financeiro ocupem cargos de influência em posições no governo e determinem as diretrizes da política que favoreçam seus mentores, além de outras vantagens como a redução da carga tributária sobre as operações do sistema financeiro. Para ilustrar esta situação, vale citar dados do insuspeito Banco Mundial: nos EUA, a relação entre a receita tributária e o PIB era, em 2006, de 12%. Em 2010, esta mesma relação caiu para 9%. Deve-se acrescentar que esta redução tributária beneficiou prioritariamente a renda e o patrimônio dos 5% mais ricos e o lucro das grandes empresas.

Por seu turno, os políticos dependem inicialmente do capitalismo financeiro para financiar suas campanhas eleitorais. Uma vez eleitos, os políticos precisam apresentar, ao longo de sua gestão, uma imagem aceitável perante a opinião pública. Nesta nova etapa, os políticos prosseguem dependendo do capitalismo financeiro, em virtude do controle que este exerce sobre a grande mídia. Foi-se o tempo em que os grandes meios de comunicação dependiam em grande parte da venda aos leitores. Já faz algum tempo que quem sustenta os maiores veículos de comunicação é a publicidade paga por bancos e grandes empresas cujo capital é controlado por estes.

Esta é a relação promíscua entre políticos e banqueiros que sujeita uma sociedade a seus iníquos propósitos. Em linha direta com este quadro, quanto maior a dimensão do capitalismo financeiro em uma sociedade, maior o seu controle sobre a política, conduzindo a uma situação cada vez maior de descaso social.

Nada mais natural, então, que a perda de espaço do movimento “Ocupar Wall Street” na mídia tradicional. A iniciativa popular tornada possível por força das chamadas redes sociais disponíveis na Internet e que há algumas semanas atrás ocupava alguns espaços nos grandes meios de comunicação em escala planetária, hoje já quase não é citada, muito embora as ocupações sejam crescentes, suas teses encontrem cada vez mais adeptos e suas propostas sejam cada vez mais aceitas.

Razões para isto não faltam: a chamada “grande mídia” não pode dar destaque a uma relevante realidade organizada e tornada conhecida por meios de comunicação alternativos e que ameaçam sua hegemonia. Como clientes da mídia tradicional, aos governos de países afetados pela crise atual não interessa a divulgação de seu desinteresse no manejo do interesse público. Ao setor financeiro, grande patrocinador deste tipo de mídia convencional, interessa que o movimento seja amordaçado para que possa prosseguir impunemente em sua cruzada de saque e agiotagem contra pessoas, empresas e governos.

Fora dos EUA também encontramos resistência à promiscuidade da ação do sistema financeiro nas suas relações com os governos em países da Europa Ocidental, membros da União Europeia. Fato comum a todos esses países tem sido o descontrole das contas públicas, a falta de investimento e o deslocamento de empresas industriais para países da periferia do capitalismo atraídas pelo menor custo da mão-de-obra e por incentivos fiscais. Dentre esses países estão Itália, Espanha, Irlanda, Portugal e Grécia. A consequência desse quadro nos países citados é o desemprego e o risco de calote para os credores.

Embora a Grécia seja hoje o foco das atenções da imprensa convencional, o panorama grego é apenas o mais emblemático exemplo de um sistema notoriamente falido. O que há de comum entre as situações italiana, espanhola, irlandesa, portuguesa, grega e norteamericana é que, em cada um desses casos, os responsáveis eleitos para cuidar da gestão dos recursos públicos nessas sociedades, aplicando-os em programas para o benefício da população, falharam redondamente. Em lugar disto, optaram por seguir caminhos tortuosos em que foram toleradas ou mesmo incentivadas a corrupção, o endividamento descontrolado, a má aplicação de recursos, a falta de transparência, os gastos militares em guerras desnecessárias e o favorecimento da financeirização da sociedade e do Estado em detrimento do investimento social.

Recentemente, foram substituídos os governos da Grécia e da Itália como se esta medida resultasse na solução do problema. Embora esta medida tenha o apoio dos caciques da Zona do Euro, os novos governos terão de aplicar os chamados “planos de austeridade” que incluem aumento da carga tributária, redução de salários e benefícios no setor público, demissão de funcionários públicos e corte nos programas sociais. Essas medidas visam gerar um saldo nas contas públicas a ser empregado no pagamento da dívida. É muito pouco provável que este receituário permita alcançar o objetivo proposto.

Este quadro de decadência atingiu em nossos dias contornos dramáticos, resultando em desemprego, empobrecimento, desamparo social e aumento da violência, mesmo nos países do núcleo do sistema. A situação aqui descrita retrata com fidelidade slogan que aparece num dos cartazes muito mostrado nas fotos que aparecem na página do “Occupy Wall Street”: “o capitalismo não está funcionando”. O capitalismo é o sistema elaborado para que haja a acumulação que vai tornar possível mais acumulação, ou seja, algo profundamente monótono e sem nexo. Ocorre que, de uns tempos para cá, é cada vez menor o número dos que estão acumulando, o que é facilmente previsível a partir da própria dinâmica do sistema.

Não é à toa que o movimento nos EUA se refere a seus membros como sendo “os 99%” em contraponto ao 1% mais rico nos EUA. É necessário citar os EUA por ser este o país em que o movimento é mais significativo, o melhor exemplo da aplicação do capitalismo puramente financeiro e um dos mais afetados pela crise capitalista vivida hoje. Outra questão-chave no posicionamento do movimento “Occupy Wall Street” tem a ver com a crescente desigualdade na distribuição da renda e com o aumento do desemprego nos EUA.

Um dado a preocupar os apoiadores do movimento no mundo inteiro é o fato de que os americanos não têm uma grande tradição em realizar grandes movimentos de massa de cunho político. Nos últimos cerca de 100 anos, os EUA foram o país líder do capitalismo e seu povo foi o grande beneficiário do sistema. É claro que a atual situação é nova, mesmo para os americanos. Este novo fator pode ser o grande impulsionador de uma mudança de atitude do povo americano.

Outro dado que justifica alguma apreensão é que apesar de toda a euforia com que o movimento é visto - e merece ser visto - é preciso levantar questões relativas à estratégia e ao futuro do movimento. O movimento “Occupy Wall Street” sabe o que não quer. Todavia, é necessário saber de que modo o movimento planeja transferir pacificamente o poder para o povo, tendo em conta o poder do atual capitalismo financeiro e sua proximidade do poder. O simples fato de se admitir que o capitalismo não esteja funcionando exige que um caminho para a implantação de uma alternativa viável para sua substituição seja proposto. O caminho para esta alternativa ainda não está claro.

Publicado no Jornal dos Economistas, órgão oficial do CORECON-RJ - Dezembro de 2011