sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Petróleo – já vai tarde

Argemiro Pertence   
27/Nov/2008
 
O petróleo tem sido empregado como fonte de energia pela humanidade desde fins do século 19. Foi, todavia, a partir da terceira década do século 20 que ele assumiu um papel estratégico nas relações comerciais entre países e empresas de diversas latitudes. A civilização industrial que vivemos nos últimos 100 anos não teria sido viável sem o uso intensivo do petróleo. Ademais, sua contribuição foi decisiva na vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Há, contudo, alguns aspectos não tão construtivos da chamada “civilização do petróleo”. A localização de suas jazidas, distribuída randomicamente pelo subsolo do planeta, não favoreceu igualmente a todas as sociedades que dele tinham necessidade. No contexto de um sistema econômico marcadamente capitalista e em plena vigência do colonialismo, seria mesmo difícil esperar que os fatos tomassem outra direção que não a da concentração do controle e dos benefícios dele resultantes.

Ao final de mais de um século da hegemonia deste recurso mineral como insumo energético, o balanço que pode ser feito é que a era do petróleo teve como tônica a injustiça, a violência e a lei do mais forte.

As sociedades centrais tiraram proveito deste período para, com o uso do petróleo, ampliar sua dominação sobre a periferia. Oriente Médio, Sudeste da Ásia, Norte da África e América Latina têm drenado seu subsolo, de forma sistemática e submissa aos interesses das grandes corporações, para atender, sobretudo, à demanda européia e norte-americana por petróleo produzido nas regiões mais pobres do globo. Nesta relação, governos de países periféricos foram derrubados e outros mais dóceis foram empossados visando, principalmente, não perturbar as atividades e negócios das grandes empresas petrolíferas multinacionais na sua busca de lucro.

Atualmente, com o enfraquecimento da influência ocidental no mundo, particularmente a norte-americana e a européia e, de modo especial, com o evidente fracasso do modelo capitalista em fazer do mundo um lugar mais justo, alguns sonhos voltam a brotar nas mentes de opositores do modelo. Surgem cá e acolá projetos de afirmação da autonomia de certos países sobre sua cultura, seus territórios, seus recursos naturais e, naturalmente, algumas reações dos donos do poder global para manterem seus privilégios.

A afirmação desta autonomia, entretanto, no caso do petróleo, parece ser um pouco tardia. Há hoje a consciência de que o desenvolvimento baseado no petróleo foi profundamente concentrado e, por isto, desigual e injusto. Além do mais, cerca de 30% do petróleo de hoje é consumido para movimentar máquinas altamente ineficientes – automóveis, aviões e outros veículos movidos por motores a combustão - totalmente incompatíveis com o estágio tecnológico alcançado pelas parcelas mais favorecidas da raça humana.

Acresça-se a isto o fato de que o mundo, como o conhecemos, não suportaria mais alguns anos de consumo de petróleo da forma como foi feito até aqui. Nosso planeta, seu espaço, sua atmosfera, seus mares, suas florestas são finitos. O modelo baseado no petróleo desconsiderou todos estes balizamentos e hoje nos ameaça com uma catástrofe ambiental. Portanto, não é mais hora de dizer “o petróleo é nosso”. É hora de dizer e agir no sentido de que “o mundo é nosso” e que o petróleo tem contribuído para tornar este mundo um inferno. É hora de implantarmos um modelo energético mais inteligente e menos egoísta. Um modelo que leve em conta o presente e o futuro. O modelo baseado no petróleo ignorou solenemente as preocupações passadas, presentes e futuras. O petróleo atropelou a humanidade e, felizmente, ele está pela bola sete...

domingo, 9 de novembro de 2008

Com Obama nada vai mudar


 

Argemiro Pertence                                                        09/11/2008

 

O ambiente anda meio confuso e é preciso esclarecer alguns fatos. Há dias a imprensa mundial vem saudando a eleição de Barack Obama como algo de alcance galáctico. Noticiam os jornais e a mídia em geral que todos os problemas do mundo vão ser enfrentados pela nova administração desde a Casa Branca e se iniciará uma era de paz e concórdia mundiais.

 

Não é bem assim: A população norte-americana é de 305 milhões de almas (dados do último censo). Lá, onde o voto é facultativo, apenas 170 milhões de pessoas são eleitores registrados (pouco mais de metade da população). Destes, apenas 124 milhões compareceram de fato às urnas em 4 de novembro último (cerca de 73% dos habilitados) . Barack Obama, o vencedor, obteve 65 milhões de votos (38% dos aptos a votar). Ou seja o presidente eleito obteve o voto de pouco mais de um terço dos eleitores e de menos de 30% da população adulta norte-americana. Pior ainda, mais de 44% da população adulta dos EUA simplesmente aproveitou o feriado e não foi votar.

 

Resumo da ópera: a principal interessada neste tema, a população dos EUA, está pouco se lixando para o assunto, como o apontam os números. Os norte-americanos têm defeitos como sociedade, é fato. Têm, entretanto, uma característica negativa adicional que vem cada vez mais sendo repassada às sociedades socialmente menos consolidadas da periferia do capitalismo: o individualismo. O individualismo é, em geral, associado ao egoísmo, típico de grupos que se consideram hegemônicos e superiores. Cuidam de suas vidas e ponto final. Este comportamento, no caso dos norte-americanos, tem suas origens no processo de fundação do país pelos migrantes protestantes que, fugindo da perseguição católica e das fogueiras da “Santa” Inquisição no século XVII, tinham a América como a terra prometida do Velho Testamento. Consideravam sua missão divina implantar do lado de cá do Atlântico uma sociedade mais justa e igualitária, fundada no trabalho, na justiça e nos valores do evangelho. Os fatos hoje lá evidentes demonstram à exaustão a completa falência deste projeto. Que o digam os índios, os africanos trazidos à força e os imigrantes hispânicos de hoje.

 

Todo este preâmbulo busca demonstrar a inutilidade de acreditarmos, cá de longe, que alguma coisa substantiva de fato vai mudar no seio da grande nação do norte. Qualquer um que chega onde Obama chegou é submetido previamente a uma espécie de “exame vestibular” no qual é verificada sua mais absoluta lealdade aos valores lá cultivados desde os tempos dos “pilgrims” do Mayflower (1).

 

Evidentemente, a crise financeira lá originada vai ser enfrentada de algum jeito. Todavia, se mesmo Bush assessorado por seus falcões liberais anti-intervencionistas teve de que abdicar dos dogmas do livre-mercado para injetar dinheiro público em instituições privadas especuladoras e delinqüentes, não se pode esperar de Obama, teoricamente menos liberal, nada melhor.

 

A mídia tem se referido a Obama como o homem mais poderoso do mundo a partir de janeiro de 2009. É inocente quem pensa que um presidente tem muito poder. Nada mais impreciso. De fato, Obama terá a caneta na mão, mas será para assinar documentos e decretos em total consonância com o sistema. Seus atos serão permanentemente vigiados, até mesmo por gente “de casa” indicada pelos setores interessados e pelos “lobbies” que financiaram sua eleição e atestaram sua adesão ao esquema. Obama tem plena consciência dos deslizes cometidos por John Kennedy, Martin Luther King e outros. A um deslize seu e um “acidente” acontece, passando o governo ao desconhecido Joe Biden.

 

Portanto, nada mais lúcido do que ler jornais com um pouco mais de senso crítico 

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

De humanæ irrationalitas


 

   
Argemiro Pertence                                                      30/10/2008
 
Desde a infância temos ouvido dos mais velhos e professores que os seres humanos são os mais racionais, o elo mais avançado da evolução das espécies ou o auge da criação divina. Todos os outros animais são menos dotados de razão e inteligência do que nós.

Alguns fatos, entretanto, não confirmam que as coisas se passam desta forma. Basta observar o mundo à nossa volta para ficar patente a pobreza racional de espécie humana e valorizar a razão presente nos animais. Observemos a questão dos transportes:

Em 2007, cerca de 73 milhões de veículos automotores foram produzidos no mundo. Nos últimos 10 anos, este número ultrapassou os 600 milhões de veículos. Os veículos automotores de uso quase que absoluto em nosso mundo são veículos equipados com motores de combustão interna ou motores a explosão. 

O rendimento de qualquer máquina é a relação entre a energia de entrada e a energia de saída. Nas máquinas térmicas, como os motores a gasolina, gás natural, álcool ou diesel, podemos calcular a energia de entrada a partir do calor liberado pela queima do combustível. Contudo, uma grande parte desta energia se perde como calor pelas paredes do motor. Outra parte se perde nos gases quentes que escapam pela descarga do motor. Perde-se calor, ainda, por radiação e atrito nas partes móveis dos motores. Energia de saída é a energia efetivamente transformada em trabalho e que faz movimentar o veiculo.  É também chamada energia útil. O rendimento de máquinas térmicas, como os motores de veículos, raramente supera os 35%. No caso dos motores a gasolina, este valor é ainda menor, situando-se na faixa dos 27%. Em outras palavras, apenas 27% da energia liberada pela combustão é aproveitada para mover o veículo.

Apenas para termos um nível de comparação, um motor elétrico, do tipo empregado em ventiladores ou outros aparelhos rotativos, tem um rendimento próximo de 80%. O rendimento de turbinas hidráulicas supera os 80%.

Em números redondos, um motor a gasolina dos mais modernos queima e joga fora três em cada 4 litros de combustível utilizados. Se um litro de gasolina custa hoje algo como R$ 2,50 e um automóvel consome um litro a cada 10 quilômetros percorridos, ao final de uma viagem de 100 quilômetros, o proprietário do veículo terá gasto R$ 25,00 em combustível e desperdiçado R$ 18,00 por força do baixo rendimento do motor. Apenas R$ 7,00 foram de fato gastos para o deslocamento ou produziram trabalho útil. 

Para agravar ainda mais o quadro, uma simples observação do tráfego destes veículos nas grandes metrópoles do mundo permite observar que cerca de 70% desses veículos transportam apenas uma pessoa, embora sejam fabricados para transportar até cinco passageiros. Se considerarmos que o rendimento dessas máquinas é de 27% e que elas transportam, no mais das vezes, apenas parcela da carga para a qual foram projetadas e fabricadas, este rendimento cai ainda mais, tornando-o ridículo e incompatível com os atuais padrões ambientais e tecnológicos.

Se adicionarmos ao quadro acima descrito o fato de que estes veículos passam boa parte de seu tempo parados, apenas queimando combustível nos absurdos congestionamentos que paralisam as grandes cidades do mundo, a situação fica insustentável do ponto de vista da razão.

Infelizmente, a posse e uso de um veículo com essas características tornou-se um dogma para a sociedade de consumo. A incessante propaganda que associa a posse de um desses veículos ao sucesso tem dado seus resultados. Mostrar ao mundo que se tem um veículo desta ou daquela marca, com tais e quais atributos e penduricalhos, transformou-se em motivo de auto-afirmação.
Que se danem o meio ambiente, os espaços para circulação, o tempo gasto em deslocamentos urbanos, os transportes coletivos (quando existem), os cuidados com a saúde e a burrice dos motores. 

Felizmente, estamos alcançando um estágio insustentável nesta questão. Inútil é esperar que os políticos de plantão adotem alguma saída para o problema. Serão as próprias pessoas que irão, por si mesmas, descobrir a inutilidade dessas máquinas nas atuais condições e buscarão alternativas tais como caminhar mais, pedalar ou usar transportes de massa de qualidade.
A hora é de um retorno à razão, para nos juntarmos aos animais, já que estes nunca deixaram de usá-la