sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Petróleo – já vai tarde

Argemiro Pertence   
27/Nov/2008
 
O petróleo tem sido empregado como fonte de energia pela humanidade desde fins do século 19. Foi, todavia, a partir da terceira década do século 20 que ele assumiu um papel estratégico nas relações comerciais entre países e empresas de diversas latitudes. A civilização industrial que vivemos nos últimos 100 anos não teria sido viável sem o uso intensivo do petróleo. Ademais, sua contribuição foi decisiva na vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Há, contudo, alguns aspectos não tão construtivos da chamada “civilização do petróleo”. A localização de suas jazidas, distribuída randomicamente pelo subsolo do planeta, não favoreceu igualmente a todas as sociedades que dele tinham necessidade. No contexto de um sistema econômico marcadamente capitalista e em plena vigência do colonialismo, seria mesmo difícil esperar que os fatos tomassem outra direção que não a da concentração do controle e dos benefícios dele resultantes.

Ao final de mais de um século da hegemonia deste recurso mineral como insumo energético, o balanço que pode ser feito é que a era do petróleo teve como tônica a injustiça, a violência e a lei do mais forte.

As sociedades centrais tiraram proveito deste período para, com o uso do petróleo, ampliar sua dominação sobre a periferia. Oriente Médio, Sudeste da Ásia, Norte da África e América Latina têm drenado seu subsolo, de forma sistemática e submissa aos interesses das grandes corporações, para atender, sobretudo, à demanda européia e norte-americana por petróleo produzido nas regiões mais pobres do globo. Nesta relação, governos de países periféricos foram derrubados e outros mais dóceis foram empossados visando, principalmente, não perturbar as atividades e negócios das grandes empresas petrolíferas multinacionais na sua busca de lucro.

Atualmente, com o enfraquecimento da influência ocidental no mundo, particularmente a norte-americana e a européia e, de modo especial, com o evidente fracasso do modelo capitalista em fazer do mundo um lugar mais justo, alguns sonhos voltam a brotar nas mentes de opositores do modelo. Surgem cá e acolá projetos de afirmação da autonomia de certos países sobre sua cultura, seus territórios, seus recursos naturais e, naturalmente, algumas reações dos donos do poder global para manterem seus privilégios.

A afirmação desta autonomia, entretanto, no caso do petróleo, parece ser um pouco tardia. Há hoje a consciência de que o desenvolvimento baseado no petróleo foi profundamente concentrado e, por isto, desigual e injusto. Além do mais, cerca de 30% do petróleo de hoje é consumido para movimentar máquinas altamente ineficientes – automóveis, aviões e outros veículos movidos por motores a combustão - totalmente incompatíveis com o estágio tecnológico alcançado pelas parcelas mais favorecidas da raça humana.

Acresça-se a isto o fato de que o mundo, como o conhecemos, não suportaria mais alguns anos de consumo de petróleo da forma como foi feito até aqui. Nosso planeta, seu espaço, sua atmosfera, seus mares, suas florestas são finitos. O modelo baseado no petróleo desconsiderou todos estes balizamentos e hoje nos ameaça com uma catástrofe ambiental. Portanto, não é mais hora de dizer “o petróleo é nosso”. É hora de dizer e agir no sentido de que “o mundo é nosso” e que o petróleo tem contribuído para tornar este mundo um inferno. É hora de implantarmos um modelo energético mais inteligente e menos egoísta. Um modelo que leve em conta o presente e o futuro. O modelo baseado no petróleo ignorou solenemente as preocupações passadas, presentes e futuras. O petróleo atropelou a humanidade e, felizmente, ele está pela bola sete...

domingo, 9 de novembro de 2008

Com Obama nada vai mudar


 

Argemiro Pertence                                                        09/11/2008

 

O ambiente anda meio confuso e é preciso esclarecer alguns fatos. Há dias a imprensa mundial vem saudando a eleição de Barack Obama como algo de alcance galáctico. Noticiam os jornais e a mídia em geral que todos os problemas do mundo vão ser enfrentados pela nova administração desde a Casa Branca e se iniciará uma era de paz e concórdia mundiais.

 

Não é bem assim: A população norte-americana é de 305 milhões de almas (dados do último censo). Lá, onde o voto é facultativo, apenas 170 milhões de pessoas são eleitores registrados (pouco mais de metade da população). Destes, apenas 124 milhões compareceram de fato às urnas em 4 de novembro último (cerca de 73% dos habilitados) . Barack Obama, o vencedor, obteve 65 milhões de votos (38% dos aptos a votar). Ou seja o presidente eleito obteve o voto de pouco mais de um terço dos eleitores e de menos de 30% da população adulta norte-americana. Pior ainda, mais de 44% da população adulta dos EUA simplesmente aproveitou o feriado e não foi votar.

 

Resumo da ópera: a principal interessada neste tema, a população dos EUA, está pouco se lixando para o assunto, como o apontam os números. Os norte-americanos têm defeitos como sociedade, é fato. Têm, entretanto, uma característica negativa adicional que vem cada vez mais sendo repassada às sociedades socialmente menos consolidadas da periferia do capitalismo: o individualismo. O individualismo é, em geral, associado ao egoísmo, típico de grupos que se consideram hegemônicos e superiores. Cuidam de suas vidas e ponto final. Este comportamento, no caso dos norte-americanos, tem suas origens no processo de fundação do país pelos migrantes protestantes que, fugindo da perseguição católica e das fogueiras da “Santa” Inquisição no século XVII, tinham a América como a terra prometida do Velho Testamento. Consideravam sua missão divina implantar do lado de cá do Atlântico uma sociedade mais justa e igualitária, fundada no trabalho, na justiça e nos valores do evangelho. Os fatos hoje lá evidentes demonstram à exaustão a completa falência deste projeto. Que o digam os índios, os africanos trazidos à força e os imigrantes hispânicos de hoje.

 

Todo este preâmbulo busca demonstrar a inutilidade de acreditarmos, cá de longe, que alguma coisa substantiva de fato vai mudar no seio da grande nação do norte. Qualquer um que chega onde Obama chegou é submetido previamente a uma espécie de “exame vestibular” no qual é verificada sua mais absoluta lealdade aos valores lá cultivados desde os tempos dos “pilgrims” do Mayflower (1).

 

Evidentemente, a crise financeira lá originada vai ser enfrentada de algum jeito. Todavia, se mesmo Bush assessorado por seus falcões liberais anti-intervencionistas teve de que abdicar dos dogmas do livre-mercado para injetar dinheiro público em instituições privadas especuladoras e delinqüentes, não se pode esperar de Obama, teoricamente menos liberal, nada melhor.

 

A mídia tem se referido a Obama como o homem mais poderoso do mundo a partir de janeiro de 2009. É inocente quem pensa que um presidente tem muito poder. Nada mais impreciso. De fato, Obama terá a caneta na mão, mas será para assinar documentos e decretos em total consonância com o sistema. Seus atos serão permanentemente vigiados, até mesmo por gente “de casa” indicada pelos setores interessados e pelos “lobbies” que financiaram sua eleição e atestaram sua adesão ao esquema. Obama tem plena consciência dos deslizes cometidos por John Kennedy, Martin Luther King e outros. A um deslize seu e um “acidente” acontece, passando o governo ao desconhecido Joe Biden.

 

Portanto, nada mais lúcido do que ler jornais com um pouco mais de senso crítico 

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

De humanæ irrationalitas


 

   
Argemiro Pertence                                                      30/10/2008
 
Desde a infância temos ouvido dos mais velhos e professores que os seres humanos são os mais racionais, o elo mais avançado da evolução das espécies ou o auge da criação divina. Todos os outros animais são menos dotados de razão e inteligência do que nós.

Alguns fatos, entretanto, não confirmam que as coisas se passam desta forma. Basta observar o mundo à nossa volta para ficar patente a pobreza racional de espécie humana e valorizar a razão presente nos animais. Observemos a questão dos transportes:

Em 2007, cerca de 73 milhões de veículos automotores foram produzidos no mundo. Nos últimos 10 anos, este número ultrapassou os 600 milhões de veículos. Os veículos automotores de uso quase que absoluto em nosso mundo são veículos equipados com motores de combustão interna ou motores a explosão. 

O rendimento de qualquer máquina é a relação entre a energia de entrada e a energia de saída. Nas máquinas térmicas, como os motores a gasolina, gás natural, álcool ou diesel, podemos calcular a energia de entrada a partir do calor liberado pela queima do combustível. Contudo, uma grande parte desta energia se perde como calor pelas paredes do motor. Outra parte se perde nos gases quentes que escapam pela descarga do motor. Perde-se calor, ainda, por radiação e atrito nas partes móveis dos motores. Energia de saída é a energia efetivamente transformada em trabalho e que faz movimentar o veiculo.  É também chamada energia útil. O rendimento de máquinas térmicas, como os motores de veículos, raramente supera os 35%. No caso dos motores a gasolina, este valor é ainda menor, situando-se na faixa dos 27%. Em outras palavras, apenas 27% da energia liberada pela combustão é aproveitada para mover o veículo.

Apenas para termos um nível de comparação, um motor elétrico, do tipo empregado em ventiladores ou outros aparelhos rotativos, tem um rendimento próximo de 80%. O rendimento de turbinas hidráulicas supera os 80%.

Em números redondos, um motor a gasolina dos mais modernos queima e joga fora três em cada 4 litros de combustível utilizados. Se um litro de gasolina custa hoje algo como R$ 2,50 e um automóvel consome um litro a cada 10 quilômetros percorridos, ao final de uma viagem de 100 quilômetros, o proprietário do veículo terá gasto R$ 25,00 em combustível e desperdiçado R$ 18,00 por força do baixo rendimento do motor. Apenas R$ 7,00 foram de fato gastos para o deslocamento ou produziram trabalho útil. 

Para agravar ainda mais o quadro, uma simples observação do tráfego destes veículos nas grandes metrópoles do mundo permite observar que cerca de 70% desses veículos transportam apenas uma pessoa, embora sejam fabricados para transportar até cinco passageiros. Se considerarmos que o rendimento dessas máquinas é de 27% e que elas transportam, no mais das vezes, apenas parcela da carga para a qual foram projetadas e fabricadas, este rendimento cai ainda mais, tornando-o ridículo e incompatível com os atuais padrões ambientais e tecnológicos.

Se adicionarmos ao quadro acima descrito o fato de que estes veículos passam boa parte de seu tempo parados, apenas queimando combustível nos absurdos congestionamentos que paralisam as grandes cidades do mundo, a situação fica insustentável do ponto de vista da razão.

Infelizmente, a posse e uso de um veículo com essas características tornou-se um dogma para a sociedade de consumo. A incessante propaganda que associa a posse de um desses veículos ao sucesso tem dado seus resultados. Mostrar ao mundo que se tem um veículo desta ou daquela marca, com tais e quais atributos e penduricalhos, transformou-se em motivo de auto-afirmação.
Que se danem o meio ambiente, os espaços para circulação, o tempo gasto em deslocamentos urbanos, os transportes coletivos (quando existem), os cuidados com a saúde e a burrice dos motores. 

Felizmente, estamos alcançando um estágio insustentável nesta questão. Inútil é esperar que os políticos de plantão adotem alguma saída para o problema. Serão as próprias pessoas que irão, por si mesmas, descobrir a inutilidade dessas máquinas nas atuais condições e buscarão alternativas tais como caminhar mais, pedalar ou usar transportes de massa de qualidade.
A hora é de um retorno à razão, para nos juntarmos aos animais, já que estes nunca deixaram de usá-la

domingo, 19 de outubro de 2008

Algumas distorções da matriz energética mundial

Argemiro Pertence
15-Out-2008
Neste momento de crise, em que ninguém ainda tem uma noção exata de para onde ela nos vai conduzir, cabe mais um pouco de reflexão acerca da produção, uso e custos da energia.


A matriz energética global está baseada, desde a Revolução Industrial do século XVIII, em fontes de energia de origem fóssil (petróleo, carvão mineral e gás natural). Nestes mais de dois séculos, muito pouca coisa mudou em termos qualitativos, ao passo que em termos quantitativos, os volumes demandados sofreram estrondoso crescimento. Com efeito, mais de 80% da energia que o mundo consome atualmente é de origem fóssil (ver tabela a seguir).
Fonte
Participação (%)
Petróleo
34,3
Carvão mineral 25,1
Gás natural 20,9
Energias renováveis 10,6
Nuclear 6,5
Hidráulica
2,2
Outras
0,4
De fato, a sociedade atual, em especial a do chamado Primeiro Mundo – EUA, Europa Ocidental e Japão – habituaram-se a um nível de consumo energético incompatível com o espaço em que vivem. Assim é que, de uns tempos para cá, tornou-se rotina que indústrias dos países centrais, intensivamente consumidoras de energia, transferissem suas unidades mais poluidoras – siderúrgicas, químicas e petroquímicas - para países periféricos, onde as restrições ambientais são ainda bastante frouxas. Curiosamente, os países que recebem esse tipo de investimento ficam felizes da vida com o que acreditam ser um gesto de boa-vontade dos investidores ricos do norte desenvolvido. Aproveitando-se do clima de festa que a inauguração de uma dessas plantas traz, os políticos populistas das sociedades mais atrasadas declaram-se responsáveis pelo progresso que este fato trará à região.


A conseqüência desta migração é que, em breve, grandes áreas dos países mais pobres vão usufruir de um modelo híbrido e perverso: degradação ambiental e empobrecimento. A pobreza será decorrente da lógica do modelo econômico que rege este fenômeno, a saber:


1. Os lucros do negócio são remetidos para os países de origem das empresas;
2. Os países-anfitriões concedem generosos benefícios tributários para a atração dessas empresas e;
3. A geração de empregos, embora real, limita-se à mão-de-obra de baixa qualificação e remuneração, a fim de viabilizar a rentabilidade do negócio.


Em resumo, as três vias que poderiam gerar algum benefício para os países mais pobres neste processo simplesmente não existem ou são bastante minimizadas – reinvestimento de lucros, pagamento de tributos e salários.


Enquanto viver o capitalismo, dificilmente esta lógica vai ser alterada. A questão posta é que, nos países periféricos, políticos de pouca envergadura usam um discurso sem nexo e sem sustentação na realidade. É comum ouvi-los pregando aos quatro ventos que nossos países vão alcançar um padrão de consumo de energia similar ao dos EUA, Europa e Japão. Isto é inviável nos moldes vigentes. Nosso planeta é finito e não suportaria tamanha agressão. Cabe propor alternativas e onde ainda existe espaço de manobra para as sociedades mais desfavorecidas é a sua matriz energética. Países como a China, a Índia, Brasil, Egito, México e outros devem usar sua criatividade para conter a crescente agressão ao meio-ambiente.


O desenvolvimento de outras fontes de energia e o aumento da eficiência energética das máquinas e equipamentos precisam ser enfrentados com vontade e seriedade. Já chegou até mesmo a hora de começarmos a planejar uma sociedade menos consumidora de energia, menos comodista e, portanto, e mais saudável.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Petróleo – a busca do equilíbrio


 

Argemiro Pertence                                             02/10/2008

 

Recentemente, fomos informados pela mesma mídia de sempre que as reservas de petróleo no mundo tinham os dias contados. Repetia ela à exaustão que a época das grandes descobertas de óleo e gás tinha se encerrado. Doravante, o ritmo das descobertas ficaria aquém do ritmo do consumo e já havia até data marcada para o fim da era do petróleo. 
  
Em época de crise causada pelo excesso de especulação financeira, não custa nada fazer um exercício mental e verificar que no mundo do petróleo há também bastante espaço para a especulação. Toda pessoa medianamente informada sabe que o custo de produção de um barril de petróleo varia de cerca de 3 a 4 dólares nas bacias terrestres de intensa produção, como as margens do Golfo Pérsico, até cerca de 15 a 18 dólares nas bacias marítimas de produção em menor escala e grandes profundidades, como é o caso da nossa Bacia de Campos. 

Há pouco tempo, o barril de petróleo produzido a esses custos chegou a ser negociado a 150 dólares, ou seja, com margens variando entre 1000 e 5000%. Em sã consciência, ninguém é capaz de admitir tamanho descolamento entre preço e custo, exceto em função de deslavada especulação por parte das grandes corporações, disfarçada ou justificada pela ação da já desmoralizada “mão invisível do mercado”. 

Hoje, no entanto, é fato que grandes volumes de óleo e gás estão sendo descobertos abaixo da camada pré-sal no litoral brasileiro, sob as águas do Mar Cáspio, na costa de Angola e, possivelmente, também no Golfo do México.

Estes achados são saudados com euforia pelas sociedades. De modo especial, os brasileiros e as populações que vivem nos países ao sul da Rússia, em torno do Cáspio, vêm nestes fatos uma espécie de passaporte para sua redenção econômica. O início da produção destas áreas vai permitir a esses países não apenas completar a demanda interna, necessária ao seu desenvolvimento, mas também fazê-los integrar o reduzido clube de países exportadores de petróleo. 

São dados auspiciosos, sem dúvida, à primeira vista. Entretanto, há alguns fatos a considerar: em que países exportadores de petróleo pode-se afirmar categoricamente que seus povos usufruem os benefícios desta riqueza? Com o agravamento das condições ambientais do planeta em que vivemos, quanto petróleo mais nos será permitido queimar?

É neste ponto que duas questões se entrelaçam: a questão social e a questão ambiental. A produção de petróleo por países periféricos é tida como a maneira de fazê-los alcançar o nível de consumo dos países do norte desenvolvido. Por outro lado, a questão ambiental nos alerta para o fato de que dificilmente será possível viver num mundo em que países populosos em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia e outros possam consumir tanto petróleo como o fazem os países ricos atualmente.


É do equilíbrio entre essas duas questões que resultará uma solução para este impasse. É difícil crer, mas para que se alcance este equilíbrio, uns terão que ceder para que outros avancem. Como não há na História fato semelhante, não há razão para otimismo neste mundo viciado pelo egoísmo e avesso à cooperação.

 

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Bolívia, o país que quer existir

 
Argemiro Pertence 

18-Set-2008
 
País pouco citado pelo grande capital em conseqüência da facilidade de controle de seus governantes e passividade secular de sua gente, a Bolívia chega ao atual momento confrontada com a secessão. Sem qualquer estrutura industrial, limitada ao modelo primário-exportador, vive a Bolívia segundo três eixos econômicos: o agronegócio voltado para a exportação, baseado na monocultura de soja, concentrado nas mãos da elite ruralista, a mineração de estanho em fim de festa, controlada por capitais externos e a produção de gás natural, também voltada para a exportação controlada por empresas estrangeiras.

Com uma produção atual estimada em 36 milhões de metros cúbicos por dia, a Bolívia exporta para o Brasil cerca de 30 milhões de metros cúbicos por dia, 1,5 milhão para a Argentina e o restante é consumido internamente. Nada mais perverso: um país pobre, carente de energia e investimentos exporta mais de 90% de sua principal riqueza para poder sobreviver a duríssimas penas.
A Bolívia dispõe de enormes reservas de gás natural. Sánchez de Lozada, um de seus ex-presidentes, famoso por falar melhor em inglês do que em castelhano, apelidou de “capitalização” a sua privatização mal disfarçada dos negócios do gás, contudo o país que quer existir acaba de demonstrar que não tem memória ruim.

De novo a velha história da riqueza que se evapora em mãos estrangeiras, como o estanho, o salitre e a prata. "O gás é nosso direito", afirmavam os cartazes nas manifestações de rua em La Paz e El Alto recentemente. As pessoas exigiam, e continuarão a exigir, que o gás seja colocado a serviço da Bolívia e de seu povo, em lugar de a Bolívia submeter-se, uma vez mais, à ditadura de seu subsolo. O direito à auto-determinação, tão invocado e tão pouco respeitado, precisa prevalescer.

A desobediência popular causou a perda de um negócio rentável à corporação Pacific LNG, integrada por Repsol (espanhola), British Gas (britânica) e Panamerican Gas (norte-americana), sócia da empresa Enron (também norte-americana), famosa por seus pouco virtuosos costumes e suas ligações sujas.

Tudo indica que a corporação ficará a ver navios, em vez de ganhar, como esperava, 10 dólares para cada dólar investido. Por sua vez, o fugitivo Sánchez de Lozada perdeu a presidência. Seguramente, não perdeu o sono. Sobre sua consciência pesa o crime contra pelo menos 74 manifestantes, mas esse não foi seu primeiro crime, e esse defensor da modernização não se preocupa com nada que não seja rentável. No fim de tudo, ele pensa e fala em inglês, mas não é o inglês de Shakespeare: é o inglês de Bush.

Agora, herdeiros de Sánchez de Lozada, alguns prefeitos de departamentos insurgem-se contra o governo central por sua determinação em usar as receitas do gás para dar dignidade à população. Diferentemente do passado, o governo popular da Bolívia tem hoje amplo respaldo da maioria da sociedade. Ademais, os vizinhos sul-americanos declararam seu incondicional apoio ao governo constitucional boliviano. Os abutres de sempre não prevalecerão desta vez.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

A monotonia da civilização do dinheiro


Argemiro Pertence 21 de agosto de 2008

Nada mais cansativo que viver a história de um tempo em que os mesmos fatos se repetem com uma freqüência irritante. Acabamos de assistir a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, sob o pretexto de apreender de armas de destruição em massa e combate ao terrorismo. Sabemos todos hoje que nada disto é verdadeiro. A invasão ao Iraque deu-se por conta da necessidade, por parte dos EUA, de ter controle sobre as imensas reservas de petróleo disponíveis naquele país, bem como ameaçar o vizinho Irã, por sua recusa em se alinhar com o Ocidente, sendo este também, por coincidência, dono de reservas petrolíferas consideráveis.

O panorama do Oriente Médio, afora a invasão, é também monótono. A região que produz 25% do petróleo consumido no mundo prima pela existência de pseudo-estados, dirigidos por pseudo-governos e habitado por pseudo-cidadãos. A Arábia Saudita, os Emirados e o Kuwait transbordam em bilhões e bilhões de euros e dólares esbanjados por elites e realezas passivas ante os interesses das corporações globais do petróleo, totalmente sem compromisso com suas sociedades que vagam pelos areais das margens do Golfo Pérsico recolhendo migalhas que sobram dos banquetes monárquicos.

Não bastasse o tumulto causado ao povo iraquiano, os EUA prosseguem em sua monótona caminhada belicista na região. Após o desmembramento da União Soviética, nos anos 90 do século passado, ampliou-se bastante a atividade de proselitismo capitalista dos norte-americanos dirigida a países recém-formados, especialmente na região do Mar Cáspio. Uma das presas fáceis desta atividade foi a Geórgia, ex-república soviética, carente de infra-estrutura e politicamente frágil naquele momento.

Ocorre que a região em torno do Mar Cáspio foi também brindada com uma das mais formidáveis reservas de hidrocarbonetos do planeta. Sob suas águas – por vezes ultra-profundas, estima-se que haja em torno de 160 bilhões de barris a serem extraídos, o
suficiente para um longo período de prosperidade e muito mais do que o
necessário para reorganizar a dinâmica da geopolítica global.

Pois foi justamente nesta região que os EUA se envolveram, agora de forma mais evidente, ao armar, treinar e financiar as forças armadas georgianas e incentivar seu governo para um ataque à sua ex-província, a Ossétia do Sul, cuja autonomia em relação à Geórgia foi declarada em 1991, embora jamais reconhecida por esta.

Porém, que importância tem a Ossétia do Sul em todo este imbroglio? Em função da posição geográfica do Cáspio e de suas áreas produtoras, toda a produção dali deve escoar por dutos terrestres até algum porto marítimo de onde então seguiria para os mercados que o demandam. Uma das rotas mais viáveis, que já está projetada, é a que liga a região de Baku, no Azerbaijão até o porto de Ceihan, na Turquia – à beira do Mediterrâneo - é a que passa pela Ossétia do Sul e pela Geórgia. O controle da Ossétia do Sul pela Geórgia, apoiada pelos EUA, soou aos ouvidos dos dirigentes do Kremlin como uma provocação. Seria demais para os russos terem nas suas barbas a presença de títeres dos EUA dando as cartas sobre a exportação de petróleo do Cáspio e das regiões meridionais da própria Rússia para a Europa Ocidental.

Como os russos aceitam tacitamente o controle norte-americano no Golfo Pérsico, eles decidiram que não aceitariam algo similar junto à sua fronteira.

E a história se repete monotonamente...



sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Energia e injustiça



Argemiro Pertence
30-Jul-2008
A energia representa um dos fundamentos do Universo. Apesar de os físicos ainda desconhecerem seu processo de formação e estarem até hoje limitados às teorias pra explicar sua origem, um fato é incontestável: a formação do Universo envolveu a liberação de fantásticas quantidades de energia criadora, processo este que ainda se encontra em pleno andamento.

Nosso minúsculo sistema solar depende em muito da energia térmica e luminosa liberada por sua estrela central – o Sol – para a manutenção da vida e do meio ambiente em que vivemos. Fato relevante é que a energia solar é distribuída livremente a todos os recantos do sistema, respeitadas, evidentemente, as leis físicas. O intervalo de temperaturas prevalecente em nosso planeta, fruto da radiação solar incidente, é exatamente aquele que favorece as formas de vida que aqui existem. Afora isto, a energia solar tem hoje muito mais aplicações, como conseqüência do desenvolvimento tecnológico da humanidade.

Em sua definição mais simples, energia é o equivalente físico de trabalho. Desde a descoberta do fogo, como forma de geração de energia na pré-história, passando pelas ineficientes máquinas a vapor da Revolução Industrial, até os modernos reatores nucleares, a produção de trabalho tem sido o objetivo. A produção de energia para o acionamento de máquinas visou a execução de trabalho anteriormente executado pelo braço humano ou pela força animal. Esta mudança resultou no aumento da eficiência do trabalho e na liberação gradual do homem do trabalho braçal para que este se dedicasse, cada vez mais, ao trabalho intelectual criativo, trabalho este que propiciou a evolução da humanidade, estabelecendo-se, em razão disto, um círculo virtuoso de criatividade e progresso.

Com o passar do tempo e especialmente nos últimos dois séculos, entretanto, o uso de energia assumiu aspectos menos nobres. Com o advento do carvão mineral e, mais tarde, do petróleo e do gás natural, cresceu a concentração do controle das fontes de energia disponíveis e este domínio resultou no surgimento de conflitos, disputas e na exploração dos mais fracos.

Hoje, cerca de 40% da energia em escala global vem do petróleo e do gás natural, cujas fontes estão como nunca concentradas, tanto em termos geográficos como em termos de sua propriedade. O número de gigantescas corporações estatais e públicas que controlam mais de 90% da produção de petróleo e gás não ultrapassa uma dúzia. Não se deve, portanto, estranhar o absurdo nível de especulação que envolve os preços dessas “commodities”.

Apesar deste quadro, não há no horizonte qualquer vislumbre de alteração. As sociedades mais ricas sequer admitem rever seus padrões de consumo de petróleo objetivando reduzir sua demanda e, em consequência, seu preço, bem como diminuir o crescente impacto nocivo da queima de derivados de petróleo sobre a Natureza.

Por mais incrível que possa parecer, milhões de cidadãos norte-americanos têm por hábito ir à esquina de sua casa, comprar uma Aspirina ou uma Coca-Cola, ao volante de seus carrões, dotados de motores altamente ineficientes e não imagina viver sem esse tipo de “conforto”.

Ao lado disto e no mesmo mundo, bilhões de cidadãos asiáticos, africanos e latino-americanos não dispõem de energia nem de recursos para comprá-la para irrigar suas lavouras de subsistência. Em resumo, apesar de tudo, vale aqui lembrar que “o sol não nasce para todos”.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Desdobramentos de insensatez

Argemiro Pertence 03/07/2008

O governo britânico acaba de convocar as empresas de petróleo para discutir a possibilidade de aumentar a produção no Mar do Norte visando conter a alta do barril. No mesmo dia, o preço do barril alcançou o recorde histórico de US$ 140. Está aí uma das razões que justificam o repentino apoio governamental à British Petroleum (BP) para participar da rodada de licitações a ter lugar no Iraque em breve. Além desta novidade, o governo britânico já deixou claro que vai tomar posse de cerca de 900 mil km2 no mar da Antártida para assegurar a exploração do petróleo que lá possa existir.

Porém, cabe a indagação: existe petróleo para continuar tocando as coisas me frente? A respeitada Agência Internacional de Energia prevê uma séria crise para daqui a 5 anos, forçando os preços ainda mais para cima e agravando a dependência do Ocidente dos países da OPEP..

As implicações geopolíticas da crise prevista para 2013 são imensas. O risco de novas intervenções militares no Oriente Médio é claramente elevado. As reservas provadas de petróleo são hoje de cerca de 1,3 trilhão de barris. Metade dos países produtores registrou queda na produção em 2006. A produção fora dos países da OPEP deverá alcançar seu pico e começar a declinar inexoravelmente. Esta queda deve ser debitada à crescente demanda da China e dos EUA, ao lado da queda de exportação do Iraque.

Há, evidentemente, saídas para este nó, só que nenhuma delas é digna de crédito. Embora tenham sido gastos bilhões na exploração de novas áreas, as grandes descobertas atingiram seu pico nos anos 60 do século passado. Para a frente, estão as areias betuminosas do Canadá, os petróleos ultra-pesados da região do Orenoco (Venezuela), as jazidas de xisto betuminoso e as reservas recém-descobertas em águas ultra-profundas no mar territorial brasileiro. Em todos esses casos há uma variável que foge a todo controle: o pequeno ganho líquido de energia, ou seja, a pequena diferença entre a energia obtida com a exploração dessas fontes e a energia gasta para sua extração, além do cada vez mais antipático efeito-estufa causado pela combustão desses materiais.

Todavia, mesmo que continuem existindo restrições no fornecimento em função da explosão de consumo chinesa especial e coincidentemente com a queda de produção dos não-membros da OPEP a crise que ser avizinha pode ser em muito amenizada se adotadas algumas medidas saneadoras do desperdício. É fato comprovado que metade da energia gerada no mundo de hoje é desperdiçada, que os automóveis mais modernos têm em seu motor um rendimento que mal supera os 20%, que os fogões domésticos jogam fora mais de 70% do calor produzido e que as termelétricas desperdiçam mais de 60% da energia que lhes é fornecida.

A questão, entretanto, é: que melhorias podem ser introduzidas na matriz global, na quantidade e no tempo necessários, para empurrar a crise mais para a frente? O que é mais inexplicável é que os grandes consumidores de petróleo não demonstram qualquer intenção de migrar de alguma forma para a energia renovável e permanecem lutando pelas reservas de petróleo cada vez mais limitadas?

Não bastasse a maciça presença de interesses dos EUA no Oriente Médio, por causa do petróleo, atualmente até a África Ocidental, detentora de modestos 66 bilhões de barris de reservas provadas, tornou-se palco de disputas. O simples fato de Angola ser o principal fornecedor de petróleo para a China fez soar o alarme dos vigias do G-7.