sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Belo Monte e produção de lixo

Trava-se no Brasil atual árdua batalha de ideias a respeito da geração de energia em represas a serem construídas em nossos rios amazônicos. A razão para os que defendem a construção dessas represas é que o Brasil precisa se industrializar para crescer. O processo de industrialização requer energia

         Segundo esses grupos não há opção fora da industrialização. Precisamos, entretanto, entrar no mérito da questão e descobrir o que significa industrialização em termos atuais.

         O processo industrial ainda guarda alguma semelhança com suas origens lá no século XVIII. Todavia, o tempo tornou a atividade industrial bastante agressiva para com a vida, perdulária em relação a seus insumos e irresponsável para com seus resíduos.

         É impossível negar a agressão à vida que a industrialização tem patrocinado. As dezenas de barragens projetadas para a Amazônia irão, sem dúvida, agredir populações, animais – peixes em especial - e a mata. Some-se a isto o fato que a energia a ser gerada pelas usinas a serem operadas em função dessas barragens irá alimentar complexos industriais situados a 3.000 ou 4.000 km de distância, com a enorme perda de potência daí resultante.

         Não se pode esquecer os demais insumos necessários à produção industrial: minérios, celulose, polímeros, metais, corantes e outros materiais. A maioria desses insumos depende da extração do solo, enquanto que a celulose requer espaço para a implantação dos chamados “desertos verdes”, apelido dado às imensas monoculturas de eucaliptos que rodeiam as fábricas de papel.

         Tudo isso já seria um mal se houvesse alguma preocupação para a reciclagem desses materiais. Como não há qualquer planejamento neste sentido, o mal se agrava. Cabe mencionar ainda que o processo industrial atual visa produzir bens que tenham uma pequena vida útil. Além disso, as campanhas publicitárias se encarregam permanentemente de divulgar que já existe um modelo mais avançado do que aquele que acabamos de comprar, levando o cidadão comum a pensar em consumir o novo e se desvencilhar do velho.

         Todos esses elementos se encarregam de gerar, a cada dia, milhões de toneladas de resíduos resultantes do processo de industrialização que não serão reciclados. Tão grave é a questão que recentemente o porto de Santos, em São Paulo, recebeu clandestinamente alguns containers de lixo prensado provenientes da Grã Bretanha. Podemos imaginar quantos outros containers passaram ou foram exportados para outros países.

         Poder-se-ia perguntar por que a indústria não recicla o lixo gerado por seus produtos, reduzindo assim o impacto causado pelo resultado de seu negócio. Dentre inúmeras razões, em sua maioria financeiras, vale citar que em muitos casos, as empresas de uma cadeia produtiva são controladas por um mesmo grupo empresarial ou têm a participação deste. A reciclagem pura e simples para reduzir a geração de lixo afetaria negativamente o negócio de parcela dessa cadeia, reduzindo o lucro de seus acionistas. Não se esqueçam que o sistema é capitalista.

         Ao final das contas, vamos estupidamente trocar a preservação de nosso espaço amazônico pela produção de milhões de toneladas lixo em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e outras metrópoles mundo afora. A isto se chama industrialização. Neste ponto é mais do que pertinente perguntar aos defensores da demolição da Amazônia: não há uma opção mais inteligente?

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Breve história e perspectivas do conflito entre palestinos e israelenses

A história do espaço geográfico, dividido entre palestinos e israelenses, limitado pelas colinas de Golã, na fronteira com o Líbano, ao norte, pelo deserto de Negeb, na fronteira com o Egito, ao sul, pelo rio Jordão, na fronteira com a Jordânia, a leste e pelo mar Mediterrâneo a oeste tem sido marcada, ao longo dos séculos, por conflitos.

Razões religiosas, econômicas e políticas têm levado, ao longo de séculos, ambos os povos a crer que o espaço é seu. Até mesmo o Antigo Testamento registra o confronto entre o pequeno Davi, um israelense, e o gigante Golias, um palestino.

Este problema nunca foi, de fato, encaminhado para uma verdadeira solução. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, ou mais precisamente em 1947, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), a questão voltou a ser abordada. Desta vez, acreditava-se que com a paz global então alcançada, esta questão menor seria facilmente superada. Os fatos, todavia, não seguiram esta lógica.

A ONU criou o Estado de Israel, mas esqueceu-se de criar um Estado Palestino homólogo. Lamentável falha! Há 65 anos existe um estado israelense com todas as instituições que um moderno estado requer e fronteiras definidas. A indefinição gerada pela atitude da ONU, em 1947, tem dado ensejo a seguidos conflitos, visto que os palestinos se acham no justo direito de desfrutarem das prerrogativas de viverem em um estado como cidadãos, com direitos e deveres, protegidos pela lei dentro de suas fronteiras e reconhecidos pela comunidade internacional.

Em virtude do desequilíbrio produzido pela omissão da ONU, o Estado de Israel tratou de se proteger por estar cercado de países muçulmanos. A indústria bélica israelense é das mais avançadas do mundo. O arsenal israelense inclui até mesmo armamento nuclear, graças ao apoio tecnológico de potências ocidentais. Ademais, as forças armadas israelenses estão entre as mais bem treinadas do mundo. Este quadro refletiu-se nas repetidas vitórias de Israel em todos os conflitos com países muçulmanos da região aliados da causa palestina.

Após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, a Organização de Libertação da Palestina (OLP), sob o comando de Yasser Arafat, gradualmente conquistou o reconhecimento internacional, tornando-se a representante do povo palestino, culminando nos Acordos de Oslo, assinados com Israel em 1993. Esses acordos definiram a Autoridade Nacional Palestina como um grupo provisório para administrar partes da Cisjordânia e da Faixa de Gaza (mas não de Jerusalém Oriental), ficando ainda pendente uma solução final para o conflito.

A excessiva tolerância da OLP nas negociações com Israel despertou a oposição de grupos dentro do movimento palestino, particularmente do Hamas que rompeu com a OLP e hoje administra isoladamente a Faixa de Gaza. O perfil agressivo do Hamas levou Israel a bloquear a Faixa de Gaza. A saída de pessoas e a entrada de mercadorias - até mesmo alimentos e medicamentos - por terra, mar e ar só é possível com a permissão das autoridades israelenses. Para tentar sair desse bloqueio, o Hamas, volta e meia, agride o sul de Israel com armamento suprido pelo Irã. Em contrapartida, Israel muito melhor equipado para a guerra, executa, como represália, verdadeiros massacres contra a população de Gaza.

Na outra área sob controle palestino, a Cisjordânia, o atual governo de extrema direita de Israel prossegue na sua provocadora estratégia de ocupar espaços estabelecendo novos assentamentos para dificultar eventuais negociações e acordos futuros.

Por outro lado, agências multilaterais, incluindo a União Europeia, têm trabalhado lado a lado a com a Autoridade Nacional Palestina para construir as bases de um futuro, democrático, independente e viável Estado Palestino convivendo na vizinhança de Israel. Atualmente, a área ocupada por assentamentos israelenses e bases militares de Israel na Cisjordânia se aproxima de 30% do território. Para agravar a situação, o governo radical de Israel planeja ampliar os assentamentos e, em consequência, o nível de tensões entre os dois lados.

A solução para o problema passa pela eleição de um governo disposto a negociar e a ceder em Israel. Além disso, não há estado sem fronteiras e o atual estado palestino, reconhecido pela ONU, não tem fronteiras definidas. Em seguida, o Estado Palestino assim formado deverá ter suas instituições – parlamento, constituição, poder judiciário, moeda, forças armadas regulares, participação em organismos internacionais, representações diplomáticas, dentre outras – legalmente estabelecidas. Após esta fase o novo estado deverá receber o aporte de recursos a fundo perdido para dar início às suas operações.

O recente reconhecimento pela Assembleia-Geral da ONU do novo Estado Palestino já é um primeiro passo na direção da solução. Mesmo alguns países da Europa Ocidental (Alemanha e Grã-Bretanha), que se abstiveram de votar na seção que conferiu o status de Estado observador à Palestina, já demonstram seu descontentamento com os planos de Israel para ampliação dos assentamentos na Cisjordânia. Merece ainda cuidado o trato com grupos de oposição dentro do movimento palestino, como é o caso do Hamas. Com as devidas ressalvas, este quadro indica abertamente a perda de influência dos Estados Unidos, os maiores aliados de Israel no Ocidente. Enfim, a situação permite uma visão otimista da questão e uma redução da violência no médio prazo.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

A industrialização implica obrigatoriamente em progresso?

Cada vez mais se associa a geração de energia ao progresso por meio da industrialização. No entanto, cabem algumas questões a respeito dos conceitos de progresso e industrialização.

Uma parcela expressiva do processo de industrialização implica na produção de inutilidades e produtos mais agressivos. A produção de telefones celulares é um belo exemplo. Todas as semanas, os fabricantes anunciam novidades nesses aparelhos. As campanhas publicitárias pregam abertamente que seu atual aparelho está superado. Os mais influenciáveis desativam seus aparelhos em uso e adquirem um novo que, digamos, com um clic, permite o contato com alguém que está na Lua (sic). Curioso é que o sistema não diz sequer uma palavra sobre os riscos à saúde que o uso de telefones celulares pode causar.

Outro exemplo são os televisores de última geração que, conectados a uma rede a cabo, permitem que o assinante tenha acesso a dezenas de canais que a televisão aberta não alcança. É preciso mencionar que, dentre essas dezenas de canais, 10 ou 12 sejam canais evangélicos, outros 12 ou 15 sejam canais de inutilidades e mais outros 15 ou 16 sejam canais de filmes quase que totalmente dedicados a divulgar o glamour da sociedade norteamericana e a “eficiência” de seu sistema policial frente à violência dos imigrantes latinoamericanos e asiáticos. Em resumo, paga-se por 60 ou 70 canais quando apenas 4 ou 5 transmitem algo aproveitável.

Caminhando em outra direção, temos a indústria alimentícia. Esta se especializou em produzir alimentos embalados e conservados à base de aditivos químicos cuja agressividade à saúde e à vida está longe de ser inteiramente conhecida e divulgada. Mesmo os alimentos ditos “naturais” só chegam à nossa mesa depois de serem literalmente lavados com agrotóxicos, pesticidas e outros venenos produzidos pela indústria ao arrepio do interesse público.

Pode-se ainda questionar o papel das indústrias siderúrgica, química, petroquímica, metalúrgica, de papel e celulose, de cimento, farmacêutica e outras mais em sua agressividade à vida.

No Brasil, parcela importante do setor industrial é de origem estrangeira. Seu lucro, evidentemente, é remetido para as matrizes. Some-se a isso o fato de que, para atrair esse tipo de negócios, os governos brasileiros concedem a essas empresas generosas isenções fiscais. Assim, o saldo da atuação dessas empresas no país é quase nulo, salvando-se apenas o emprego mal remunerado da mão-de-obra nacional.

Não trata esse texto de advogar a tese da desindustrialização pura e simples. Trata, sim, de destacar que parcela importante dos processos industriais produz energia, em geral sob a forma de calor. O simples emprego desse calor para a geração de energia elétrica resultaria em grande redução da demanda e dos custos de produção. Adotando essa alternativa, algumas empresas poderiam mesmo exportar energia elétrica para o sistema unificado nacional.

Esta opção reduziria ainda a necessidade de construção de gigantes hidrelétricas no coração da nossa Amazônia, com todos os maus impactos que a operação dessas usinas traz para a região e a perda de rendimento que ocorre na transmissão dessa energia para as regiões consumidoras no sul e sudeste do Brasil.

As sociedades mais avançadas do planeta já não se industrializam mais da forma convencional, como ainda é o caso do Brasil. Essas sociedades aproveitam as vantagens do atraso em outras regiões, transferem suas unidades industriais para lá e se dedicam internamente ao desenvolvimento de pesquisa e tecnologia. Assim, essas sociedades incentivam a parceria entre suas universidades e as empresas visando gerar conhecimento e tecnologia. Em paralelo, a opção de gerar conhecimento e tecnologia exige um consumo muito baixo de energia quando comparado ao modelo de industrialização.

Este é um quadro muito claro à nossa frente. As sociedades que têm um planejamento minimamente inteligente já demoliram ou estão demolindo suas chaminés e progredindo. Todavia, muitos brasileiros ainda associam o progresso ao surgimento de chaminés. Um brasileiro que pensa em dedicar-se à pesquisa e gerar verdadeiro progresso precisa emigrar para os países do centro do sistema.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A construção de centrais hidrelétricas na Amazônia

Temos ouvido até cansar das vantagens da geração hidrelétrica na Amazônia. Não é bem assim. Antes de acreditarmos em tudo que se diz e escreve, precisamos conhecer o contraditório, ou seja, as enormes desvantagens da construção dessas megabarragens em pleno coração da maior floresta do planeta. Vejamos:

1.      A questão do custo da energia – com a geração na Amazônia e o consumo no sul e sudeste do país ocorre uma perda de potência variável, porém considerável, em função das grandes distâncias percorridas pelas linhas de transmissão. Este fenômeno reduz a eficiência da usina e eleva o custo da energia gerada;

2.      A questão das concessões – apesar de ter sua construção bancada por dinheiro público, as usinas hidrelétricas têm sua operação concedida a grupos privados. A operação por meio da concessão agrava a questão da justiça social no Brasil. Todos os consumidores da energia gerada nessas usinas transferem renda para grupos privados, ampliando, desse modo, a concentração da riqueza no país;

3.      A questão social – se o Estado transfere grande parte da renda da venda da energia para grupos privados, ele abre mão de recursos para a construção de novas escolas, remuneração de professores e para melhorar o atendimento de saúde da população. Combater o crime construindo penitenciárias não é a solução. A solução está em reduzir a desigualdade social que prevalece no país. O modelo de concessão da operação de hidrelétricas apenas agrava a desigualdade e a injustiça social em nosso país ao concentrar renda e riqueza;

4.      A questão do uso da energia – a energia gerada pelas hidrelétricas da Amazônia será empregada majoritariamente na indústria, ou seja, na produção de quinquilharias de plástico, borracha, vidro, metais, papel e outros materiais. Uma rápida visita aos lixões de nossas grandes metrópoles vai nos mostrar todas essas porcarias por lá às toneladas. Esses materiais, somados à matéria orgânica em decomposição vão liberar tintas, corantes, resinas, resíduos e chorume para emporcalhar nossos lençóis freáticos. Alguns rios que brotam desses lençóis já nascerão sujos por causa desse iníquo processo;

5.      A questão ambiental - muitas espécies de peixes amazônicos desovam em rios que dependem da influência andina, incluindo os que migram para as cabeceiras. A quebra da conectividade dos rios provocada pelas barragens ameaça seriamente a existência dessas espécies. Ao analisar cada um dos 150 projetos de hidrelétricas amazônicas no Brasil, Peru e Colômbia, pesquisadores têm observado que 60% deles provocariam, em muitos rios, quebra da conectividade entre as cabeceiras protegidas dos Andes e as planícies da Amazônia. Além disso, 80% das barragens propostas vão provocar perda de florestas. Pelo menos 50% destas novas construções foram consideradas de alto impacto ambiental e somente 19%, de baixo (Globo Ciência – 21/11/2012).

O Brasil é um país que exporta soja em lugar de óleo ou farelo de soja; exporta minério de ferro em lugar de pellets ou sínter; exporta milho em lugar de farelo ou óleo de milho. Alguns patriotas estão a reclamar porque estão levando nosso nióbio da Amazônia. Se não o levassem, o que faríamos com o nióbio, já que não temos tecnologia para industrializá-lo? O Brasil é simplesmente um país tutelado.

A título de ilustração vale mencionar o Professor Gerald Crabtree, gerente do laboratório de genética da Universidade de Stanford (Califórnia) que, em artigo recente publicado na revista Trends in Genetics (Tendências na Genética), afirmou que o apogeu da inteligência humana ocorreu há 3.000 ou 4.000 mil anos atrás e que no momento a tendência é de declínio. É possível que esta seja a explicação para tantos problemas no Brasil.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Capitalismo e feudalismo: mais semelhanças do que diferenças

É bastante claro o esforço que historiadores e economistas têm feito para diferenciar o feudalismo do capitalismo que o sucedeu. Confesso que tenho tentado encontrar essas diferenças, especialmente nos campos econômico e social. Até aqui, entretanto, o que tenho descoberto é que há muito poucas diferenças nas áreas econômica e social. Algumas características dos dois sistemas diferem somente na profundidade a que chegaram, permanecendo em essência as mesmas. A concentração da riqueza que temos hoje é talvez maior que a que havia no “ancien règime”; a miséria possivelmente é menor, mas é miséria.

         As características básicas do feudalismo eram o poder descentralizado (nas mãos dos senhores feudais), a economia baseada na agricultura com a utilização do trabalho dos servos. 

         O capitalismo atual, nomeadamente nos países da periferia do sistema, tem como principais traços também o poder descentralizado nas mãos de elites corporativas, financeiras, políticas e da mídia. A economia é mais diversificada, mas utiliza-se da força de trabalho de bilhões de empregados assalariados.

         Prevaleceram na Idade Média as relações de vassalagem e de senhorio. O senhor era quem emprestava um lote de terra ao vassalo, sendo que este último deveria ser fiel ao seu senhor, antes de tudo. O vassalo trabalhava para seu senhor, em troca de proteção e de um lugar no sistema de produção. As redes de vassalagem se estendiam por várias regiões, sendo o rei o senhor todo-poderoso.

         No panorama capitalista atual predominam as relações de subserviência dos empregados para com seus empregadores. É o empregador quem concede ao empregado uma vaga no mercado de trabalho em troca de sua mão de obra e fidelidade ao sistema de produção. Também hoje, as redes de submissão de empregados aos patrões se estendem por impérios empresariais corporativos e globalizados, sendo estes os controladores de tudo.

         No modelo feudal os poderes econômico, político e jurídico concentravam-se nas mãos dos senhores feudais, os donos dos feudos.

         No sistema capitalista atual, igualmente, esses poderes concentram-se nas mãos das corporações por meio de seus todo-poderosos acionistas controladores. Os poderes econômico e financeiro – obviamente – além do político e jurídico são exercidos em nome delas, já que são elas que controlam os fluxos de dinheiro, as indicações políticas e, muitas vezes, as decisões ou as omissões do poder judiciário.

         A sociedade feudal apresentava pouca mobilidade social e era altamente hierarquizada. A nobreza feudal – os senhores feudais, cavaleiros, condes, duques e viscondes - era a detentora de terras e arrecadava impostos dos camponeses. Os servos deveriam pagar várias taxas e tributos aos senhores feudais (o correspondente ao trabalho de 3 a 4 dias nas terras do senhor feudal), a talha (a metade da produção) e a banalidade (taxas pagas pela utilização do moinho e do forno do senhor feudal).

         O capitalismo que prevalece em nossos dias, sobretudo nos países da periferia do sistema também se caracteriza também pela baixa mobilidade social e por seu alto grau de hierarquização. A nobreza atual, a saber, os grandes empresários e controladores do capital de grandes corporações são os detentores dos meios de produção. Seus negócios, em escala internacional ou global, fundam-se na taxa de lucro maximizada pela venda de bens e serviços à população. Esse lucro exacerbado pode muito bem ser encarado como uma maciça transferência de riqueza dos pobres para os ricos. Este iníquo processo de transferência apenas amplia o fosso que separa as classes sociais no capitalismo, inviabilizando as demandas por justiça e igualdade. Não há “mão invisível” que possa interromper este perverso processo ou até eliminá-lo.
         No regime feudal, a educação era para poucos. Apenas os filhos da nobreza tinham acesso ao estudo, enquanto que a maioria absoluta da população era analfabeta e, por isso, não tinha acesso aos livros.

         No capitalismo de hoje ocorre algo muito próximo. As taxas de alfabetização das populações excluídas têm de fato crescido nas últimas décadas. Todavia, cria-se em torno delas um esquema maligno que anula esse avanço. Parcela ponderável dos alfabetizados recebe, através dos meios de comunicações de massa, diuturnamente incentivos para se afastarem dos livros e dos processos culturais. Processos de imbecilização brotam como ratos de esgoto da mídia nesses países. Como consequência desses processos, centenas de milhões dos considerados alfabetizados não passam de analfabetos funcionais, que são aqueles que reconhecem os sinais gráficos que formam um texto, mas são incapazes de reconhecerem o conteúdo deste mesmo texto.

         Assim, decorridos mais de cinco séculos, a maioria absoluta da população mundial permanece à margem do processo de inclusão. Tanto um sistema quanto o outro foram incapazes de produzir felicidade para a maioria. Temos alguma mudança se desenhando no horizonte? Certamente, não. Os poderosos de sempre não a permitiriam.

         Para agravar o quadro, as esquerdas em todo o mundo, a saber, os socialistas e mesmo os social-democratas, desistiram de prosseguir no processo de substituição do capitalismo por algo mais justo e igualitário. Optaram por humanizar o capitalismo. É trágico!

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A pasteurização da política

Fala-se cada vez mais na perda da hegemonia global por parte dos EUA. Um exame mais atento confirma esta tendência, porém identifica alguns campos nos quais ainda essa influência permanece quase intacta ou mesmo está em expansão.

         Um desses campos onde a chamada “americanização” das sociedades ainda predomina é o da alimentação, com a crescente presença do “fast-food” na dieta de milhões de pessoas.

         A “americanização” das sociedades resulta em convencer as pessoas que parar para fazer uma refeição convencional conduz à perda de tempo. Ao lado disso, a propaganda induz pessoas a comerem mais do que necessitam, dado que nosso modo de vida é cada vez mais sedentário. Daí resulta a obesidade, pois passamos boa parte do tempo à frente de uma tela de computador ou de televisão, sem queimar calorias.

         Até mesmo Índia e China sofrem com esse problema, em vista da invasão cultural de que são vítimas por força da facilidade cada vez maior das comunicações e do aumento de renda.

         Este, porém, não é o único aspecto no qual a “americanização” ainda se apresenta ou mesmo cresce. A propósito da próxima eleição presidencial que ocorrerá por lá, em novembro próximo, dois partidos, como sempre, estão concorrendo - o Democrata e o Republicano. Afora pequenas diferenças no âmbito doméstico, os dois têm a mesma plataforma política para as ações belicistas americanas mundo afora.

         A Europa Ocidental, há décadas marcada pelo Estado de Bem-estar Social, se apresenta hoje “americanizada”, ou seja, em cada país desse espaço europeu, os dois partidos hegemônicos são cópias um do outro. Na França, a UMP, dita de direita e o PSF, dito socialista, outrora visceralmente divergentes, hoje se apresentam quase como gêmeos políticos. O mesmo se dá na Alemanha com o CDU e o SPD, na Grã Bretanha com o Partido Trabalhista e o Conservador e na Espanha com o PSOE e o PP.

         No Brasil, infelizmente, o PT, PSDB e o PMDB são muito similares com rótulos diferentes. Exemplos não nos faltam. O governo Lula autorizou, sob pressão da Monsanto e da agroindústria nacional, o uso da soja transgênica sem estudos que confirmassem sua não agressividade à saúde humana e à dos animais.

         O atual governo, também do PT, prepara-se para a concessão à iniciativa privada de mais rodovias, portos e aeroportos por pressão das corporações. A concentração de riqueza a que esse processo levará não foi esquecida pela presidente da República. Além disso, o processo em questão deixa claro que a presidente da República assume que o Estado que ela governa é, de fato, ineficiente.

         As licitações de campos de petróleo, interrompidas há 5 anos, serão retomadas em 2013 por pressão das corporações do setor.

         Falta, portanto, sentido em classificar tal ou qual partido como situação e oposição ou como direita e esquerda. Qualquer dos maiores partidos brasileiros seguiria esta mesma direção.

         Nos últimos 14 anos pouca coisa mudou. Apenas o crescimento da classe média pode ser alegado como conquista dos dois últimos governos. Usando-se como definição de classe média apenas a sua renda, isto pode ser verdade. Entretanto, boa parte dos que galgaram a essa classe média vive em favelas, o que introduz a questão social até aqui não vista como importante.

         Este modelo substitui o sujeito da história – o ser humano - pelo objeto – o seu nível de consumo. Saúde, educação, moradia e segurança seguem decadentes tanto nos governos do PSDB como nos do PT. Queda, portanto, evidente a similaridade entre os maiores partidos brasileiros. Como se vê, até em nossa terra varonil se vê a “americanização” da política. Nossos partidos políticos nada mais são do que "genéricos" em embalagens levemente diferentes.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Até quando vamos ser idiotas e ler a “Veja”?


            Acredito que dever ter havido uma fase da existência da humanidade em que a imprensa tinha como alvo informar de forma isenta. Nesta fase o cidadão comum buscava na chamada “mídia” a informação clara e neutra sobre uma grande diversidade de temas para então formar a sua própria opinião.

            Infelizmente, nasci numa época em que a imprensa já se achava deformada, havendo órgãos de informação com diferentes tendências e posições. É natural que as pessoas busquem se informar nos veículos que assumem posições em sintonia com as suas. Introduz-se, assim, a ausência do contraditório que poderia lançar mais luz sobre a questão e prolifera o partidarismo, a divisão e cisão sem consequências.

            Evidentemente, mesmo neste ambiente viciado, há órgãos de imprensa que buscam reforçar suas posições ressaltando fatos que desmerecem seus adversários em diferentes campos do relacionamento humano. Um dos campos mais visado é a política. Entretanto, qualquer órgão da “mídia” minimamente sério irá cuidar que qualquer de seus ataques a adversários políticos de sua linha editorial tenha como fundamentos documentos, depoimentos e outras provas dignas crédito antes de sua divulgação ao público.

            Lamentavelmente não é o que tem ocorrido com a revista semanal “Veja” em nosso país. Em seu último número (semana de 17 a 23/9/2012), a revista ataca de frente o ex-presidente Lula, acusando-o de ser o “chefão” do “Mensalão”. Segundo a “Veja”, suas informações foram obtidas de “parentes e pessoas próximas a Marcos Valério”, este o operador do citado esquema de corrupção. Não cita a “Veja” uma prova concreta ou um depoimento digno de credibilidade. Suas informações são vagas e irresponsáveis. Nesse clima informa a “Veja” extraoficialmente que tem em seu poder o áudio de uma entrevista com o próprio Marcos Valério que será oportunamente divulgado.

            Vergonhosamente, a “Veja” não cita um nome sequer dos parentes e pessoas próximas ao operador do esquema. Ademais, o próprio Marcos Valério já informou à imprensa, através de seu advogado, que não deu qualquer entrevista à “Veja”.

            Não trata este texto de defender o ex-presidente Lula. Trata, sim, de assegurar à sociedade brasileira o direito de obter na imprensa informações verídicas e comprovadas, mesmo que estas contrariem seu credo.

            Curiosamente, a “mídia” calou-se perante as denúncias de que o Diretor da “Veja” em Brasília, Policarpo Jr. esteve envolvido com o bicheiro Carlinhos Cachoeira e com o senador cassado Demóstenes Torres em acusações de tráfico de influência para beneficiar alguns interesses políticos. Note-se que estas denúncias são resultado de investigações da Polícia Federal, claramente citadas no número 710 da revista “Carta Capital”.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Assistimos o velório da social-democracia brasileira?

A social-democracia é um conjunto de ideias políticas, centradas na prevalência do estado de bem estar social, surgido no fim do século XIX em alas do marxismo que acreditavam que a transição para o socialismo poderia se dar sem uma revolução e sim por meio da natural evolução democrática num ambiente capitalista. Evidentemente, essas ideias tiveram severa oposição de Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburg e outros.

De fato, em meados do século XX, ocorreu algum avanço social em países europeus que aplicaram a social-democracia. Dentre estes pode-se citar a França, a Alemanha, a Holanda e, nomeadamente, os países escandinavos.

Ao final do século XX, entretanto, a prolongada  convivência com o capitalismo, em vez de domá-lo, terminou por contaminá-la e hoje já se vê claros sinais de doença e ruptura na social-democracia em boa parte dos países do ocidente europeu.

A rigor, pode-se afirmar que a social-democracia europeia perdeu-se asfixiada pelo neoliberalismo, um conjunto de doutrinas capitalistas oposto ao estado de bem estar social. A financeirização da economia, o excesso de liberdade para o capital e a pura e simples especulação ensejaram a atual crise global do capitalismo e, com ela, a austeridade em oposição à prosperidade
produzida pela intervenção sadia do estado que tinha como resultantes a educação, a saúde, a moradia, a segurança, o trabalho e a renda.

O neoliberalismo é a doutrina baseada na lei do mais forte, na hegemonia dos mercados e no capitalismo selvagem.

No Brasil, a social-democracia surgiu tarde e pode ter vida curta. O Partido da Social Democracia Brasileira – o PSDB – nasceu de uma cisão do velho MDB (que foi tolerado pela ditadura) no final da década de 80 do século passado. Apesar de contar com figuras dignas em seu quadro inicial, logo associou-se ao que havia de pior no país falando-se politicamente: associou-se a resíduos da ditadura (ARENA e mais tarde PFL) para obter votos nos rincões. Conseguiu eleger e reeleger o presidente da República nos anos 90. Elegeu ainda governadores, expressivas bancadas parlamentares e prefeitos naquela fase de euforia.

Hoje, no entanto, o quadro é outro. Segundo as pesquisas mais recentes, o PSDB tem pouca ou nenhuma chance de eleger o prefeito em 8 das maiores capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba e Recife. Em Salvador, importante capital do nordeste, o PSDB não apresentou candidato. Em Fortaleza, o candidato tucano traz no nome a marca da ditadura - Marcos Cals – e tem muito poucas chances.

Assim, os principais sinais vitais da social-democracia brasileira apresentam um quadro de colapso. Sua vida provavelmente será curta. Sem ter seus quadros eleitos, morrerá a social-democracia brasileira em plena adolescência?

terça-feira, 14 de agosto de 2012

O capitalismo – um sistema cada vez mais doente

O capitalismo é um sistema cheio de contradições. Mas o que é, na verdade, o capitalismo? O capitalismo é o sistema econômico que busca o lucro incessantemente para uma minoria da humanidade – os capitalistas. Para tanto, ele requer matérias-primas, instalações, energia, equipamentos e trabalho. Cada um desses insumos deve ter seu custo minimizado para que se maximize o lucro do dono do capital ou capitalista.

A produção de bens e serviços gerada pela atividade capitalista visa o consumo desses itens pela sociedade. As sociedades capitalistas são majoritariamente formadas por trabalhadores das mais diversas faixas de renda e suas famílias. Trata-se, todavia, o capitalismo de um sistema repleto de contradições, sendo a primeira e mais visível delas a permanente luta de classes entre capital e trabalho. Visto que a doutrina capitalista tem como um de seus axiomas a redução do custo dos insumos que entram na produção de bens e serviços, a redução do custo do trabalho é apenas natural.

Ocorre que a redução do custo do trabalho implica em menores salários e benefícios para toda uma massa de cidadãos que são, afinal, os consumidores dos bens e serviços que o capitalismo produz. Assim, quanto menor a renda do trabalho, menor será a demanda pela produção capitalista e menor seu lucro. O mesmo ocorre atualmente com a robotização da produção nas fábricas. Cada robô introduzido no processo produtivo vai, por certo, reduzir o custo do trabalho, mas vai também desempregar dezenas de trabalhadores que deixarão de ter renda para consumir, reduzindo, também, desta forma o lucro do capitalista.

A industrialização em larga escala que permeia parcela importante do mundo de hoje tem enfrentado sérios problemas para promover o decrescente consumo de sua produção. Os níveis cada vez mais baixos de renda do trabalho tornam cada vez mais difícil manter a demanda por bens e serviços oriundos da produção capitalista.

É nesta altura do processo que entram em cena dois novos elementos de incentivo ao consumo: a propaganda e o sistema de crédito. A propaganda, considerada hoje quase como uma ciência, tem o papel de induzir o cidadão a consumir aquilo de que ele não precisa, o supérfluo, ao passo que o sistema de crédito – os bancos - oferece recursos – dinheiro - para tanto.

A propaganda com frequência decepciona o consumidor ao alardear de modo sutil qualidades e benefícios não existentes no produto consumido. Este descompasso entre o anunciado e a realidade torna obrigatório que a propaganda se aprimore ainda mais em seu processo indutor de consumo ou, como é mais comum e mais barato, que ela se torne cada vez mais repetitiva, passando a ser uma espécie de lavagem cerebral.

O sistema de crédito, por seu turno, utiliza o dinheiro de seus clientes para financiar o consumo de outros. Neste processo, os estabelecimentos de crédito cobram dos financiados uma taxa de juros para remunerar seu trabalho e assegurar seu lucro nesta intermediação. Os contratos de financiamento, por seu lado, geram títulos que podem ser negociados com outras instituições de crédito no chamado mercado secundário com algum deságio. Estes, por sua vez podem ser negociados num mercado terciário e assim por diante.

Se, por acaso, o financiado não honrar sua dívida por qualquer razão, teremos uma reação em cadeia. Quando, numa crise de desemprego, muitos financiados deixam de honrar suas dívidas, o detentor dos títulos de seu financiamento vai se ver em maus lençóis por não poder também honrar seus compromissos dentro do sistema. Isto gera um rombo e falta de credibilidade no sistema financeiro, fazendo com que seus depositantes busquem alternativas mais seguras para seus ativos. Daí vem a quebradeira do sistema.

Este é o capitalismo que tantos defendem e que passa hoje por uma crise profunda. Mesmo fora de suas crises constantes, o capitalismo é injusto por beneficiar uma minoria em detrimento da maioria. Não se trata de uma questão ideológica, mas de inteligência: o capitalismo já provou sua incapacidade para fazer deste mundo um lugar de gente mais feliz.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O que foi feito do “Mensalão do PSDB”?

Não se trata de querer livrar membros importantes do então governo Lula do ônus pela acusação, apuração e julgamento da existência do chamado “Mensalão”. Há sérios indícios de que o citado esquema existiu de fato e todos os cidadãos de bem deste país aguardam a ação da Justiça e a consequente punição dos responsáveis.

A antológica lentidão do Poder Judiciário não combina com o fato de que este processo tenha chegado à atual etapa, a do julgamento, antes da prescrição. É louvável que num país onde a velocidade de ação do Poder Judiciário é inversamente proporcional ao poder e à fortuna dos acusados estejamos assitindo ao que está se passando perante nossos olhos.

Coube ao Procurador-Geral da República a acusação dos réus, conforme determinam as regras. Dezenas de advogados bem pagos ocupam-se em defender seus clientes acusados. Este é um outro dado a ser averiguado: quanto cada advogado de defesa está cobrando e quem está pagando os advogados de cada um dos réus.

Neste ponto, vem-me à memória um outro tema similar a este e que foi devidamente engavetado. Trata-se do escândalo da compra de votos para a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1997, apenas um ano antes da eleição de seu substituto. Curiosamente, apesar de público, este escândalo não foi investigado nem houve qualquer ação da Procudoria-Geral da República a seu respeito, o que levou à sua prescrição.

O escândalo da compra de votos para a emenda da reeleição de Fernando Henrique Cardoso – o chamado “Mensalão do PSDB” -  foi deflagrado por denúncia do jornal Folha de São Paulo que publicou, em sua edição de 14 de abril de 1997, uma denúncia da CNBB que acusava o governo de FHC de corrupção, quatro meses após a aprovação da reeleição. A emenda foi aprovada na Câmara dos Deputados, em primeiro turno, com 336 votos favoráveis e seis votos contra.

Em 13 de maio de 1997, em outra matéria, o mesmo jornal, relatou uma conversa sobre a compra desses votos. O personagem central, o então deputado Ronivon Santiago (do então PFL do Acre) informava ter vendido seu voto por R$ 200 mil, a favor da emenda da reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Nesta reportagem, Ronivon afirmou que recebeu R$ 100 mil em dinheiro e que os outros R$ 100 mil seriam pagos por uma empreiteira que tinha dinheiro a receber do governo de seu estado, o Acre.

Os compradores do voto do deputado do Acre, segundo ele, foram dois governadores: Orleir Cameli (sem partido), do Acre, e Amazonino Mendes (também do então PFL), do Amazonas. O esquema de compra de votos para a reeleição envolveu outros deputados, além de Ronivon.

Além dos governadores já citados, também foram acusados de participação na compra de votos deputados influentes do Congresso como o então presidente da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães (já falecido, filho do senador Antônio Carlos Magalhães, também falecido, presidente do Senado à época), e de ministros do governo Fernando Henrique. Pelas conversas gravadas, o esquema teria sido comandado pelo então ministro das Comunicações, Sérgio Motta (já falecido), o popular “Serjão”, que era considerado o homem forte do governo FHC.

A diferença de tratamento de dois escândalos do mesmo calibre não se justifica em sociedades realmente avançadas. Nossas instituições estão nos devendo por sua omissão neste caso.

O principal beneficiário da emenda da reeleição fez, em seu segundo mandato, nada mais do que continuar a aplicar ao Brasil o modelo político-econômico viciado engendrado por Thatcher e Reagan que, em seu limite, levou à atual crise do capitalismo.  O ex-presidente tucano prossegue em desfile vaidoso mundo afora a fazer palestras e a ensinar sobre o Brasil. Sua alcunha de “príncipe dos sociólogos” só faz aviltar a Sociologia.

São esses e outros fatos que ainda fazem do nosso país algo periférico. São esses e outros fatos que fazem de nossa terra algo submisso a pequenos interesses. São esses e outros fatos que me proíbem de cantar o Hino Nacional, tal o descompasso entre seus versos e a nossa realidade.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Patriotismo desafinado e inútil

A presença em nossa Amazônia de alguns minerais raros e de importante demanda despertou alguns dos chamados patriotas de sua prosaica letargia.

Poucas linhas de nosso exaltado e romântico hino nacional se aplicam ao nosso país. Entretanto, uma delas cai como uma luva sobre os brasileiros e sua terra. É clara a semelhança entre o “deitado eternamente em berço esplêndido” e a realidade vivida por brasileiros e brasileiras.

Atualmente, grupos de patriotas têm usado a Internet para questionar a existência de reservas indígenas em áreas ricas em recursos minerais. Levantam esses patriotas até mesmo a possibilidade de esses grupos indígenas se tornarem nações autônomas e independentes do poder centralizado em Brasília, de acordo com os princípios da Declaração Universal sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em 2007 pela ONU.
Esses patriotas fingem desconhecer que a Declaração é, em primeiro lugar, um instrumento não vinculante para os países, ou seja, ela é uma declaração de princípios, aspirações e não de compromissos políticos que os países signatários devem buscar implantar.

A obrigatoriedade é muito relativa quando se trata de instrumento aceito de forma voluntária. Nenhum país é obrigado a aceitá-la. Portanto, conclui-se que pode haver a vontade e a disposição de determinado país no sentido de implantar a Declaração ainda que não exista obrigatoriedade legal de sua aplicação.

Além disso, os representantes indígenas declararam sempre de forma transparente que os povos indígenas não pretendem constituir estados independentes, o que é o grande temor dos estados nacionais.

Não se trata, portanto, de defender a tese da autonomia de grupos indígenas, mas o que faria o Brasil com, por exemplo, uma reserva de nióbio sob seu controle? Que tipo de pesquisa e que tecnologia foram desenvolvidos para a utilização desse metal raro? A resposta é: o Brasil nada fez até hoje.

Dispor de reservas de nióbio e outros metais estratégicos no subsolo não tem qualquer valor, a menos que se tenha meios para utilizá-los. Em países mais sérios que o nosso, esses metais já estão em uso há anos e pesquisas estão permanentemente sendo feitas em universidades, centros de pesquisa e empresas para descobrir, desenvolver e aperfeiçoar aplicações para esses metais. O mercado brasileiro é, inclusive, cliente de empresas que fabricam e exportam produtos de alto valor agregado que utilizam esses metais.

Uma das grandes empresas brasileiras em uso de tecnologia – a Embraer – importa os propulsores e toda a eletrônica de controle dos aviões que produz, ficando sob sua responsabilidade apenas a montagem da “casca” das aeronaves.

Para encerrar, é preciso que fique bem claro: o Brasil, seus governos e sua sociedade têm sido inteiramente omissos em cuidar de seus recursos minerais, suas fronteiras, seus rios e mares. Além disso, nosso país jamais teve um programa sério para desenvolvimento de pesquisa e tecnologia (exceto o da Petrobras). O Brasil, em pleno século 21, não passa de um exportador de commodities e um importador de produtos industrializados com alto valor agregado e de tecnologia.

Portanto, soa completamente desafinada a gritaria de grupos de patriotas contra pequenos grupos de indígenas sobreviventes do genocídio de que foram vítimas seus antepassados. Seu patriotismo deveria ser reavaliado e redirecionado para os verdadeiros culpados pelo quadro atual.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

De novo as reservas indígenas no Brasil

Algumas mentes pouco arejadas insistem na solução de que é necessário roubar ainda mais terras dos índios do que já foram roubadas nesses últimos 500 anos. Justificam mais este assalto pela existência de importantes reservas de metais estratégicos nas atuais reservas indígenas. Para que queremos metais estratégicos se não investimos em pesquisa e tecnologia para aplicá-los? Para que queremos metais estratégicos se todos os bens que empregam esses metais em sua produção são até hoje importados pelo Brasil?

Ora, ninguém se incomodou quando o "branco" Eliezer Batista controlou pessoalmente, através de empresas estatais sob seu comando, durante os 21 anos de ditadura militar, todo o minério de ferro de Minas Gerais e todo o minério de manganês do Amapá, deixando enorme herança para seu filho Eike, hoje, coincidentemente, o homem mais rico do país. Eliezer pode, os índios, donos da terra há milênios, não podem! A mente pouco arejada dessa gente os conduz ainda a essa uma brutal falta coerência.

Hoje quem explora o ferro em Minas Gerais é a Vale, empresa privatizada em 1998, no governo Fernando Henrique, por R$ 3,3 bilhões, valor que correspondia, à época, a somente 25% do lucro da empresa no mesmo ano - R$ 12,5 bilhões. Pode parecer brincadeira, mas não é.

Sem me ater a decisões políticas ou jurídicas, prefiro ir à lógica.

Instalados nestas terras há milênios, os indígenas veem, de repente, seu espaço ser invadido - o termo é este mesmo: invadido, embora o termo oficial seja “descoberto” - por europeus que os agridem, infestam-nos com doenças mortais para eles e expulsam-nos de suas casas.
Se hoje são apenas 600 mil índios, a causa desta redução está, principalmente, no genocídio praticado por europeus contra eles e, em menor parte pela miscigenação com brancos e negros. O reduzido número de indígenas não é culpa deles. Por favor, não podemos inverter os fatos. O reduzido número de indígenas é resultado da ilegal, desleal, desumana e estúpida atuação do branco europeu de quem boa parte dos brasileiros ainda é descendente.

A chamada civilização ocidental baseia-se no direito de propriedade desde priscas eras. No entanto, esse direito foi roubado aos nossos índios, como foi roubado também aos primeiros habitantes de nossa sofrida América Latina (em especial aos maias, astecas e incas) e aos "peles-vermelhas" da América do Norte.

Pelo genocídio praticado contra os peles-vermelhas na até hoje violenta América do Norte nasceram heróis nacionais como Buffalo Bill e o general George A. Custer. Os de cá receberam o apelido de "bandeirantes" e muitos de nós aprendemos seus nomes nas escolas, sendo também citados como heróis. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

O  que está havendo no "civilizado" Brasil não passa de um golpe contra uma minoria. Nossos índios merecem um pedido formal de desculpas que eles aceitariam se quisessem. A usurpação de que foram vítimas permanece incólume

O tempo não pode apagar crimes destas dimensões. Napoleão Bonaparte, Adolf Hitler, Augusto Pinochet, o presidente Harry S. Truman que ordenou o lançamento de duas bombas atômicas sobre o povo do Japão já derrotado e rendido, dentre muitos outros jamais serão apagados da História.

E chega de inversão dos fatos!

sexta-feira, 20 de julho de 2012

O HSBC de volta ao ninho

Não é a primeira vez que o HSBC está envolvido com o tráfico de drogas. O HSBC (Hongkong Shanghai Bank Corporation) foi fundado há cerca de 150 anos para lidar com o dinheiro resultante do tráfico de ópio da Índia, então uma colônia do Império Britânico, para a China. Como colônia, a Índia e seu imenso mercado interno estavam abertos à importação de produtos europeus, ao passo que a China, pelo contrário, era muito resistente à compra desses produtos, estando mais interessada em vender seus produtos a esses países.

 A China era uma grande produtora de seda, porcelana e chá, que era o produto que despertava maior interesse nos britânicos. Somente em 1720 eles compraram cerca de 12.700 toneladas de chá dos chineses e em 1830 compraram cerca de 360 mil toneladas. Os chineses, todavia, não tinham interesse algum nos produtos europeus, o que resultava em desequilíbrio da balança de negócios e lucros muito pequenos para os britânicos. Apenas um produto despertava grande interesse neles e por muitas vezes era ele que fazia com que o comércio com a China produzisse algum lucro. Esse produto era o ópio.

O ópio é uma substância entorpecente extraída da papoula que causa forte dependência química em seus usuários. A droga era transportada ilegalmente pelos britânicos da Índia para a China e lá, muitas vezes, os britânicos se encarregavam de induzir os chineses a consumi-lo, o que provocava dependência, obtendo assim um aumento de seu lucro e no volume do comércio.

Em vista desse quadro, o governo chinês proíbiu toda a transação com a droga o que fez com que os britânicos ficassem irritadíssimos, já que este era o comércio que estava dando lucro, terminando por declarar guerra à China em 1839.
No mesmo ano, um súdito chinês foi assassinado por marinheiros britânicos, fato que fez o Comissário Imperial ordenar a expulsão de todos os cidadãos britânicos que estavam na cidade e confiscar cerca de 20 mil caixas de ópio que foram ali encontradas. Em 1840, o Chanceler Britânico, Lord Palmerston, enviou uma frota de 16 navios de guerra para o litoral chinês, fato que resultou no afundamento de boa parte dos navios chineses, além do estado de sitio de Guangzhou e o bombardeamento da cidade de Nanquim.

Esse conflito durou até 1842 quando foi assinado o Tratado de Nanquim, o primeiro dos chamados “Tratados Desiguais”, pelo qual a China aceitou suprir tudo o que a Grã-Bretanha quisesse, abrindo cinco portos ao comércio britânico, pagar uma grande indenização de guerra e entregar a ilha de Hong Kong, que ficaria sob domínio britânico por 100 anos.

Nasce o HSBC
Em 1856, tem início o que chamamos de “Segunda Guerra do Ópio”. Oficiais chineses abordaram e revistaram o navio Arrow, de bandeira britânica. Isso desagradou muito os britânicos que dessa vez se aliaram à França e executaram um violento ataque militar à China em1857. O governante chinês nesse momento dá continuidade à sua política de intransigência, recusando-se a respeitar os atos dos britânicos. Mais uma vez a China sai derrotada. Dessa vez, onze portos chineses seriam abertos ao comércio com o ocidente. O governante chinês tentou resistir, mas com isso a capital Pequim foi ocupada, forçando-o a aceitar o Tratado de Tianjin que determinava a abertura dos portos chineses aos estrangeiros, incluindo diplomatas estrangeiros e missionários cristãos além, é claro, da legalização da venda e do consumo de ópio.

Foi justamente nesse cenário que foi fundado o HSBC, no sul da China, para lidar com as fortunas que surgiam do comércio britânico-chinês, inclusive o do ópio.
Portanto, não há o que estranhar quando a imprensa noticia que o HSBC de hoje teve vultosas transações financeiras com os cartéis do tráfico de drogas mexicanos. Foi o tráfico de drogas que deu origem ao HSBC. Portanto, o banco está de volta ao seu ninho. Desta vez, porém, o HSBC está enxovalhando todo o sistema bancário dos EUA com o qual o HSBC tem bilhões de dólares em transações interbancárias diárias.