domingo, 18 de maio de 2008

Estados Unidos de olho na América Latina

A crise diplomática na região e as ações do governo espanhol contra brasileiros é tema de debate com Argemiro Pertence

O diretor da Casa da América Latina, Argemiro Pertence, avalia que há influência de Bush no episódio entre Colômbia e Equador.

“Não há como negar o interesse de Bush nessa região. A Colômbia é talvez o único país latino-americano que ainda não reagiu de modo claro a essa interferência norte-americana nos seus negócios internos. Os demais países: Brasil, Bolívia, Chile, Uruguai, Argentina e a Venezuela, este de modo muito claro, elegeram governantes que pretendem mudar esse panorama. Estão reagindo, tomando uma linha um pouco mais independente da tutela norte-americana. Os Estados Unidos têm uma rede de satélites que monitora o mundo todo. Sabem o que cada um faz em cada parte do globo. Certamente, eles monitoram os movimentos das Farc naquela região”, disse o ex-vice-presidente e ex-diretor de Comunicações da Aepet.

Pelo fato de a América Latina possuir grandes reservas de petróleo – a maior parte na Venezuela – e com a divulgação das recentes descobertas do mega campo de Tupi pela Petrobrás, Argemiro acredita que o presidente dos Estados Unidos tenha interesse em desestabilizar a região para retomar o poder que vêm perdendo nos últimos anos. “Nos últimos dez, doze anos, foram eleitos governos mais independentes dos Estados Unidos. É muito patente a perda de domínio norte-americano sobre esses países. Nada mais previsível que uma reação do governo norte-americano, sobretudo de George Bush, que é um homem de guerra. E guerra para eles é negócio, dá dinheiro. Certamente nesse Estados Unidos de olho na América Latina conflito entre a Colômbia e o Equador tem o dedo norte-americano”, avaliou.

Argemiro lembrou, em programa realizado na Rádio Petroleira, que as maiores economias não têm reservas de petróleo em seu subsolo e dependem de importação e que os Estados Unidos consomem a quarta parte do petróleo consumido em todo o mundo. “A Venezuela é exponente no assunto. O México já o foi, não é mais. Vai ter que importar em breve porque vendeu tudo para o vizinho, os Estados Unidos. A Bolívia tem muito gás. A Colômbia também tem um pouco de petróleo. São países que podem suprir a demanda de alguns países, ainda. E, como eu disse, onde tem petróleo tem conflito”, disse.

SOBERANIA – Argemiro considerou um fato gravíssimo a invasão ao Equador, um país soberano. “A Colômbia, com seu governo de direita, liberal e autoritário, atropelou toda a legislação e acordos e atacou guerrilheiros e um civil. É um fato que merece reação unânime de toda a comunidade latino-americana independente. Inclusive, eu esperaria um pouco mais de ação, de reação do governo do Brasil, que até agora não se fez ouvir. Mas não só do Brasil, também da Argentina, Bolívia. A Venezuela tem participado bem como mediadora entre os reféns e as Farc. O governo da Colômbia tem de ser chamado à atenção. Eu diria até punido. Hoje se fala em boicotar os jogos olímpicos da China por causa do Tibet. Eu penso: que se boicote a Colômbia”, afirmou.

Em sua avaliação, os países latinoamericanos não deram certo até hoje porque a população, em sua maioria, vive em condições precárias, sem saúde pública de qualidade, educação, segurança nem infra-estrutura. “Não deram certo também porque a América Latina ficou como uma espécie de herança distrital da maior economia do mundo, os Estados Unidos”, alfineta.

Questionado por Nato Khandall, apresentador do programa, se o presidente Lula não deveria ter tido um papel mais atuante nesse conflito, Argemiro reconheceu que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez possui qualidades de liderança, mas que também tem um lado “caudilho”. Segundo ele, os presidentes Lula, Evo Morales, da Bolívia, e Néstor Kirchner (agora sua mulher, Cristina), da Argentina, também têm postura de liderança e poderiam fazer algum contraponto a Chávez. “Todavia, eles se recolheram a sua insignificância e permitiram que apenas Chávez aparecesse. Aparecesse – eu diria – até bem, em condições de negociar entre o governo colombiano e as Farc a libertação de reféns. Isso poderia ser muito bem bancado por toda a comunidade latino-americana. Em função da passividade de outros líderes, surgiu como expoente o Chávez”, analisou.

Outro tema abordado no programa foi o tratamento dispensado pelo governo espanhol a alguns brasileiros impedidos de entrar em Madri, que foram chamados de “cachorros”. Segundo o embaixador da Espanha no Brasil, Ricardo Peidró, não seria o caso de pedir desculpas porque cachorro, em espanhol, significa “filhote”, Khandall questionou se os espanhóis continuam vendo os brasileiros como colonizados após quinhentos anos de dominação espanhola na América Latina.

Na opinião de Argemiro, o europeu ainda encara os povos da periferia – América Latina, África e boa parte da Ásia – com preconceito. “Essas pessoas têm chance na Europa hoje de ocupar postos subordinados, para fazer tarefas que os europeus não fazem mais. Todavia quando um latino-americano, o africano ou o asiático tentam ocupar uma posição de cidadão de fato, um espaço que eles (europeus) têm como deles, há essa reação, esse bloqueio, preconceito que volta a ressurgir após 500 anos de colonização. Ainda nos vêem assim”, concluiu.

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